Estou de passagem neste mundo,

Mas deixo aqui o registro de minhas palavras.

Eu sou o peregrino do tempo.


terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Imagem meramente ilustrativa

Um trecho do meu próximo trabalho, um conto do vampiro Luar que se passa antes dos eventos ocorridos com Luciano em O Clube dos Imortais.


ETERNO CASTIGO
KIZZY YSATIS


No cemitério Harmony Hill, um vulto sombrio
aguardava silenciosamente no interior
dos portões a extinção do dia. Quando falou,
sua voz era macia e cultivada.

Stephen King, A Hora do Vampiro



Seja bem-vindo à escuridão eterna. Vamos, entre! Não tenha medo. Sou apenas um velho e mal posso falar. Consegue ouvir minha voz? Por favor, desça. Me faça um pouco de companhia. Me deixe contar minha história pra você, pelo menos a última coisa de que me lembro, entende?

Isso mesmo. Desça mais. Eu estou aqui. Isso! Assim está bem melhor.

Há quanto tempo existo aqui? Sabe me dizer? Vinte? Cinqüenta? Duzentos anos? Em que ano estamos? Pode me falar? Minha cama de madeira está podre, não há como eu me matar com ela. Nunca tive coragem de me matar. Tem gente que é contra mas nas minhas circunstâncias já teria feito. Só sei que estou velho. Me sinto velho, muito velho. Sei disso quando toco meu rosto. Pareço ter oitenta anos, mas posso ter... Eu não sei. Não sei como o tempo vem passando pra mim. Tudo é tão escuro, mas posso estar cego. Minha memória diz que não. Minhas roupas viraram trapos; andrajos, como dizia meu avô, e só não se desfizeram porque não me mexo muito. Não há muito espaço neste lugar, também; nem muito o quê se fazer. E é impossível escapar. Como vim parar aqui? Oh, sim. Perdão. Era isso que ia lhe contar agora.

Minha história começa num bar e é sobre cinco jovens e um vampiro.
Como deve imaginar, tudo aconteceu lá longe. Numa época que talvez você nem tivesse nascido. No meu tempo, parecia que estávamos no auge da tecnologia e tudo prometia continuar evoluindo muito rápido. O telefone celular tornou-se indispensável, tão pequenininho e com ele se fazia quase tudo. Foi uma juventude bem movimentada na era do Orkut. Eu e os rapazes... Nós éramos badboys: íamos a academias de musculação, tínhamos carros velozes, pit-bulls, DVD, cinema digital, foto digital; he-he-he, sexo virtual. Não me estranharia se o homem terminasse virando um programa de computador também, numa espécie de segunda vida. Entretanto, acho que isso ainda não era possível, pelo menos não no meu tempo, início do século vinte e um, por volta do ano de 2000, 2001. Não me lembro direito.
A conversa fluía agradável na mesa onde cinco velhos amigos se embebedavam com cerveja gelada: Rafael, Rodrigo, Rodolfo, Rogério e eu. A Turma do “R”.
Todos nós, não apenas jovens mas também bonitos universitários, desfrutávamos as noites de sexta-feira sempre naquela mesma mesa, daquele mesmo bar, num bairro qualquer de São Paulo. Nos divertíamos muito com as pessoas dali, na verdade era um rock bar. E a gente nem curtia rock tanto assim, mas sabia os estilos e curtia algumas músicas, e só. Era mais para zoar. Fazer farra. Folgar com todo mundo, ser os bam-bam-bans da parada. Que piada! Sentar porrada (às vezes, em qualquer desavisado frágil e solitário andando pelas redondezas). Prestar atenção na galera pra poder tirar um sarro, procurando gente esquisita. Sempre tem gente esquisita em bar de rock. Mais que em bar de veado, mas a gente não ia a bar de veado, entende?
Numa dessas noites de inverno paulistano, vimos, em meio a toda aquela gente bêbada, um homem que se destacava além do mais bizarro motociclista e do mais incrementado gótico. Se via que parecia feliz com a balbúrdia do botequim. Um sorrisinho sutil e satisfeito daqueles que fingem bom ânimo. Poderia até se sentir vivo em meio à tamanha descontração livre e espalhada. No entanto, por dentro, parecia ter morrido. Dava pra ver em seus olhos. Olhos insolentes e cheios de magnetismo, uma escuridão que só não era maior que o mistério que trazia na alma. Se é que tinha alma. Talvez, para continuar invisível, a figura evitava olhar nos olhos dos outros.
Ele podia ter escapado de todo mundo, mas nunca da gente. E por mais machistas e orgulhosos que pudéssemos parecer, não éramos assim tão ignorantes. Éramos brutos ou no fundo assim gostávamos de nos apresentar pro mundo. Quem o viu primeiro foi o Rodrigo.
– Olha só como aquele cara é bonito.
Foi o que ele disse e desse jeito ganhou a atenção de todos e, antes que alguém pudesse questionar qualquer coisa, era tarde demais. Fomos capturados. Pois o tal cara também nos olhou. Aqueles faróis pretos e tristonhos nos atingiram como a luz doente do scanner que apenas passa. Não nos deu a menor importância.
– Esse moleque é estranho pra caralho – alertou Rogério.
– Deve ter chegado agora – disse Rodolfo –, senão a gente tinha visto.
– Esse cara é bonito demais – repetiu Rodrigo.
– O que ele é? – perguntei, finalmente.
– Que merda! É difícil saber – disse Rogério. – Solitário demais pra ser motociclista, triste demais pra ser gótico.
Pronto! A assembléia extraordinária da averiguação de estranhos estava aberta. O homem foi a letra do dia. Mais e mais garrafas de cerveja se acumulavam na mesa, juntamente com as mais absurdas suposições sobre o estranho. E assim seria a noite inteira, e o resto do mês.
Deixamos de aloprar os outros por causa desse cara; sempre solitário, em sua mesa, com seu vinho. Da nossa parte, nunca saiu a ideia (pra não dizer coragem) de ir falar com ele, até uma noite em que uma garota (muito gata), se sentou com o rapaz. Em cinco minutos, estavam se beijando e, mais cinco, saíram dali causando espanto a todos da nossa mesa. Espanto por quê? Por que ficou com uma garota? Não pensávamos que fosse bicha, mas o cara saiu da rotina assim de repente e nos deixou abalados. Ele era o nosso homem. Nossa atração. No sentido mais recreativo da palavra. Ele se foi. Nesse dia a noite acabou pra gente.
Na sexta seguinte, outro susto. Não só a gatinha de cabelo preto da semana passada estava com ele, aos amassos, como uma porção de outras minas e outros malucos o rodeavam. Espantosa era a diversidade: as quatro garotas eram góticas; tinha dois motociclistas de dois moto-clubes diferentes, um garoto indie (ou era uma garota, não sei dizê-lo) e um hard. Todos o ouviam com atenção. Por mais um mês assistimos ao grupo, chateados. A gente não falava, mas sentia muito ciúme deles por estarem ali, com ele, como se, ele próprio, fosse nosso.
Com o tempo, tentamos nos distrair com outros. Tentamos não falar dele. Tentamos. Mas quando a gente falava, falava mal. Falava e ria alto. Gozando deles. Querendo chamar atenção. E conseguimos. Um dia, ele nos pegou com os olhos. Foi bem rápido, embora não o suficiente pra gente não deixar de notar o olhar charmoso, matador, que lançou à nossa mesa. A gente encarou, desaforadamente, como quem pede por encrenca, mas ele espanou. Se voltou pros seus como se nada tivesse acontecido. Ah, mas isso nos endoideceu. Quem gosta de ser desprezado?
Da nossa parte, nas semanas seguintes, partimos pra apelação. Confesso que foi ridículo, mas quem ia se meter a besta com a gente? Rimos, zombamos. Tiramos sarro de todo mundo da mesa do cara. Rogério, com sua boca suja, tinha um dicionário de palavrões. Eu aproveitei o único dia que a garota dele veio sozinha e fiquei com ela, mas ele nem apareceu pra ver. Rafael, por sua vez, dizia absurdos tão obscenos para as garotas do cara, que só mesmo uma mente tão pervertida como a dele podia imaginar. Dizia que seu pau era o maior troféu que elas podiam ter em suas vidas. Mas mesmo assim, como o estranho, seus amigos permaneceram com a paciência dos monges. Claro que, no primeiro dia, o menino hard rock se levantou enfezado, mas o nosso cara o pegou no braço e sussurrou no ouvido dele. O moleque riu e nos ignorou. O que ele tinha ensinado a eles? Acabamos esfriando.
E mais um mês se passou quando notamos que, pouco a pouco, sua mesa começava a diminuir até voltar a ficar vazia. Não ficou mais com a garota, será que soube? Como ficamos felizes. Mas só então, temendo perder ele de novo, porém, com a baixa escusa de pena pelo pobre estar só, é que decidimos nos aproximar, amigavelmente, para convidá-lo a se sentar com a gente. Coisa que ele topou sem muita cerimônia, e pudemos ouvir sua voz pela primeira vez. Claro que enchemos a cara para ter coragem de falar com ele, entende? Mesmo assim me lembro que a voz do cara era voz de homem. Grossa mas arrastada, educada e vibrante, mas ao mesmo tempo sussurrante. E qual não foi nosso espanto quando descobrimos que seu nome também começava com “R”.
Claro que ele entrou para a turma do “R”! Agora éramos seis.
O homem era grande, viu?! Acho que tinha um metro e noventa de altura, ou quase isso. Sentou-se e pediu vinho, não quis tomar cerveja; e estava com um perfume... Que, de tão bom, quase perguntei qual era. Claro que não perguntei, entende?
– Conheço vocês – disse ele. – Vocês se divertiram muito molestando a mim e aos meus.
– É, mas era só de brincadeira – se adiantou Rafael. – Espero que você tenha levado na esportiva.
– Claro que sim – respondeu. – E espero que vocês possuam tal espírito esportivo, pois eu também posso querer brincar com vocês.
– Claro que pode – disse Rodolfo. – Agora você é um “R”, pode fazer o que quiser. E aqui todo mundo brinca com todo mundo.
– Mas brincadeira tem limite – avisou Rogério. – Até pra nós. Lembram o que aconteceu com o Rodrigo, né?
Por instinto, Rodrigo levou a mão no braço esquerdo onde tinha se queimado. As cicatrizes eram evidentes. Ele podia até sentir a dor das queimaduras outra vez.
– É – disse ele –, quem brinca com fogo, acorda mijado.
– Concordo – disse nosso novo colega. – Deve ter sido uma experiência dolorosa e terrível.
– Você nem imagina o quanto. Até parei de fumar, agora tenho trauma de fogo.
– O quê você é – perguntou Rogério pra mudar de assunto –, é gótico, motociclista, punk ou o quê?
– Eu sou vampiro!
Houve uma pausa dramática na conversa. Todos ficaram sérios, até que ele mesmo começou a rir, debochadamente, como se tivesse feito uma piada, e todos riram com ele.
– Eu queria ser um vampiro – disse Rodrigo ainda rindo. – Você não quer me morder?
– Não. Não quero. Entretanto isso não é necessário. Para que você se torne vampiro, basta beber do meu sangue.
– Que besteira! – disse eu.
– Eu bebo se você me der. Duvida? – desafiou Rodrigo.
Num repente, nosso colega levantou a mão com um punhal prateado e desceu com tudo na mesa talhando o próprio pulso.
– Não. Não duvido – respondeu para uma mesa estupefata.
O copo de cerveja de Rodrigo estava pela metade quando aquele cara bizarro completou com seu sangue.
– Beba – ele disse. – Não me faça desperdiçar meu precioso sangue à toa.
O cara tinha se cortado.
– Que louco! – disse Rafael.
Ficamos todos chocados.
– Esse cara tem colhão – definiu Rodolfo.
– Não faça isso!

[CONTINUA...]

Ufa!

Ela voltou a me visitar.

Quando ela vai, eu não sei quando retorna e eu fico assim perdido e desesperado.

Calado e triste. Pacientemente espero.

Ontem ela voltou, a presença estática a encher meu peito de vontade.

Por que quando eu quero ela foge e quando não quero mais ela aparece?

Mas estamos sempre conectados.

Yes! Together forever. Always, all the time. Together again for the rest of the life... Yeah!

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Go ahead, write! What exactly do you have to say, that hasn't been said before?