XVII - Um berro de terror
A hora cruza os portões da meia-noite e um Fernando ébrio soçobra nas trevas. O mais novo discípulo de Fausto enxerga no escuro melhor do que qualquer ser humano; está mais para um cão ou gato. Seus olhos são capazes de absorver a luz mais rarefeita.
Qualquer criatura desavisada que agora supostamente surgisse e lançasse um facho em seu rosto, iria se apavorar com o brilho das pupilas dilatadíssimas do rapaz. Ainda assim, um pouco de luz lhe seria mais vantajoso para ajudar-lhe com sua busca. Não. Não aquela de encontrar a passagem secreta que o levaria para o Clube dos Imortais, mas sua busca por outra garrafa daquela safra que tanto gostou. A vela apagara-se, mas não havia morrido.
Apostou consigo que não se esquecera do isqueiro e acertou. A luz da pequena chama o cegou momentaneamente e Fernando soltou um berro de terror. Não pelo incomodo passageiro da luz que o ofuscara, mas porque juraria ter enxergado bem diante de si, numa fração de segundos antes de cegar, um rosto ceráceo acender-se na escuridão. Ergueu-se. Não. Pulou para trás atingindo a estante, quebrando garrafas e derrubando o barril em que estava sentado. Aliás, foi sobre este barril rolando em suas pernas que Fernando desastradamente caiu.
E tão rápido como caiu, o garoto se levantou, reacendendo o isqueiro para olhar a sua frente, a sua retaguarda, em ambos os lados e acima de si, sem encontrar ninguém. A respiração estava aceleradíssima. O isqueiro acabou queimando seu dedo e num reflexo Fernando o largou:
— Ai!
Assustado e Furioso, Fernando mantinha os ouvidos tão aguçados que o som do isqueiro chocando-se no chão lhe pareceu o disparo de um canhão. Assim como o próprio coração que era capaz de ouvir ribombar no peito. Guiado pela audição, abaixou-se para apanhar o aparelhinho quente no exato ponto em que caíra, mas o vulto ligeiro de um sapato chutou o isqueiro para longe.
Fernando soltou um palavrão bem alto e tomou um tapa na cabeça. Levantou-se com uma agilidade que nem ele sabia possuir. Debateu-se no escuro, lançando murros para todas as direções. Acertou garrafas, ripas e parede; não mais que isso, aumentando a bagunça e o barulho em torno de si, mas o fato não o impedia de distinguir qualquer outro som. Não havia qualquer outro som. Nenhum senão os produzidos por ele mesmo.
Não podia ser Fausto que retornara, afinal não havia muito que o corifeu dos lobos saíra sem dizer para onde. Além disso, Fernando teria reconhecido seu cheiro assim que ele pusesse seus pés na entrada da mansão. Também não era alucinação, aliás, isso nem lhe passou pela cabeça. Pelo menos, não pela cabeça de um jovem que recentemente se descobriu lobisomem e que se encontrava sozinho na casa de um vampiro lendário e poderoso. Seria tolice pensar algo desse tipo. Pensou num fantasma então, já que achava a casa mal assombrada mesmo, mas trocou essa idéia por outra perspectiva. Seria ele, afinal? Ele voltou? Teria o vampiro Luar retornado?
[Continua...]
LEÃO NEGRO
A busca pelo vampiro Luar
Um romance de KIZZY YSATIS