Estou de passagem neste mundo,

Mas deixo aqui o registro de minhas palavras.

Eu sou o peregrino do tempo.


terça-feira, 26 de outubro de 2010


Aqueles que Habitam o Paralelo Noturno

VI - O arauto do vampiro

Meu nome é Zed, sou um vampiro e este é meu blog; um espaço dedicado às mensagens do meu mestre. Sou seu porta-voz.

Luar se mandou e não volta mais. Meu amo Montserrat é o novo senhor do Paralelo Noturno, está entre nós outra vez desde 2003. E se está havendo, desde então, uma queda significativa na população de pulguentos, é porque Montserrat está mandando um recado: ele manda dizer pra enviar a conta do funeral que ele paga, já que assim assume a autoria. O chefe manda avisar que agora é ele quem dá as ordens no Clube, e se Fausto não sair da frente será atropelado. Você tem três opções: abaixar a cabeça e servir ao novo mestre; sair fora; ou morrer. Seu tempo está se esgotando, lobinho, assim como a paciência do meu senhor. Decida. Se for se render, deixe uma bandeira branca na frente da mansão. Se for sair, deixe a porta da frente aberta. Saia pelos fundos, com o rabo entre as pernas, como tem de ser. Se for nos peitar, vai morrer.

6 comentários:


cl@udio disse...

Zed, se sabe onde Luar está, me fala. Eu mesmo acabo com ele.


Fausto disse...

Oi, capacho. Diz pro papai que não tenho medo dele, e que o estou esperando. Se ele não veio até agora é porque está apavorado.


zed vampiro disse...

Claudio, há quanto tempo, amigo. Não sabemos onde Luar descansa. Preciso te dizer uma coisa: realizei meu sonho, sou um vampiro! Acho que era seu sonho também, não era? Você era tão fascinado por vampiros. Pena que mudou de idéia. Mas se voltar atrás, é só falar comigo. Meu e-mail é zedvampiro@gmail.com e meu twitter é @zedvampiro (me segue aí, cara).

Ah, e você, Fausto, falando aqui de capacho para capacho, eu mesmo vou chutar sua bunda!


Evan disse...

Caro Zed, devo confessar que meu amor por Montserrat é ainda maior que a estima que tenho por Luar, mas será mesmo que o novo espírito do século XXI poderá suplantar a experiência do inefável Luar?


Bárbara disse...

Cuidado com suas palavras, Zed. Uma das regras básicas de batalha é nunca contar com a vitória antes do tempo!


Rose disse...

Zed cria nova, não sabe onde está se metendo, deixa meu senhor Luar mostrar a face Lâmia e quero ver você falar com tanta convicção...


[Continua na próxima terça]
LEÃO NEGRO
A busca pelo vampiro Luar
Um romance de KIZZY YSATIS

segunda-feira, 25 de outubro de 2010


GIULIA MOON E KIZZY YSATIS EM SOROCABA!

Quinta (28), às 14h, a Oficina de redação criativa “Criadouro de Vampiros” será ministrada por Giulia Moon, autora que dedica-se à literatura fanástica há 10 anos. Por meio da leitura e análise de trechos de algumas obras, a discussão propiciará aos participantes um brainstorm para a construção de personagens vampirescos, através das peculiaridades e características apresentadas pela oficineira.

Um bate-papo, no mesmo dia às 19h, trará Kizzy Ysatis, o primeiro escritor brasileiro vencedor de um prêmio com um livro sobre vampiros. Criador de uma concepção diferente em sua literatura, comparando os vampiros com anjos e, neste encontro, explanará o seu processo de produção literária, suas influências e pesquisas, além dos subsídios utilizados em seu trabalho.

Para as duas atividades, que acontecerão na Biblioteca Infantil Municipal (Rua da Penha, 673 – Centro), as inscrições são feitas, antecipadamente, na Central de Atendimento do SESC Sorocaba.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Aqueles que Habitam o Paralelo Noturno

V - Uma dose de nostalgia

Lembrou-se dos contos de fada, a Chapeuzinho Vermelho. Ou seria O Lobo Mau? Já que este aparecia em mais histórias, como a dos três porquinhos. Deveria ter um livro só dele. Mas só conhecia essas duas. Então não dava para chamar de As Crônicas do Lobo Mau.

Lembrava-se dos contos de fadas. Por que esses olhos tão grandes? Olhava ao redor. Por que tantos quartos? Tantas salas, alas, janelas? Um corredor imenso? Por que uma cozinha? “para quê?” seria a pergunta mais adequada? E para quê (então) uma casa tão grande e distante no alto da colina? no platô envolto a centenárias árvores? Quartos para quem se o anfitrião não recebia visitas? E por que tantas camas se de noite ninguém dormia? Disso Fernando sabia. Esse vampiro dono desta casa tem mania de grandeza. Veja essas tapeçarias, móveis de bom gosto bem conservados. Para quem, aos fantasmas? A casa grande era de alvenaria. Em baixo era de carrara. Em cima, carpintaria. Na biblioteca, só os clássicos em variados idiomas. Chamou-lhe a atenção os 24 volumes da Biblioteca Internacional de Obras Célebres. A poesia esparzida na escrivaninha, cadeiras, bancos e mesinhas. O vampiro é romântico, mas pelo visto também é realista, parnasiano, modernista, surrealista, contemporâneo. Olha Gonçalves Dias, Castro Alves em capa de madrepérola, Drummond em verde percalina, Aureliano... Crisálida: poema machadiano, Bilac ouvindo estrela; Andrade (este, o Mário) bagunçando com Guilherme de Almeida. Arnaldo Antunes se destacando, Quintana e Pessoa que Fernando adora; Augusto e até Camões, que cruzou o mar para se unir as canções do Brasil afora. Pilhas de enredo, e no consolo da lareira a obra completa de Álvares de Azevedo.

Muita gente morta. Mortais que escreveram. Mortais por nascimento, imortais por merecimento. E por esse motivo, de todos os cômodos, a biblioteca era o único canto que se mantinha vivo.

Fausto tinha saído. O fogo se extinguido. Fernando o reacendeu. Apaixonado pela chama sentou-se calmamente olhando o brilho, o ardor, a sanha. A lenha crepitando. Livros e fogo tinham cheiro de lembrança. E então num clarão ligeiro, o fogo cambiou a cor, num índigo rancor, como os olhos de Fausto, que eram assim da cor dos de Fernando, que permaneceram impassíveis, fixos na labareda azul como fogo de fogão a gás, que dançava sobre a madeira, consumindo-a inteira, qual a mão de satanás.

[Continua na próxima terça]

LEÃO NEGRO

A busca pelo vampiro Luar


Um romance de KIZZY YSATIS

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Aqueles que Habitam o Paralelo Noturno


IV - A chave menor de Salomão


Na cozinha do apartamento de Marta, a atmosfera é densa, o tom é de velas mas não se trata de um jantar de amantes.

Claudio agradeceu enquanto acendia um cigarro:

— O jantar estava ótimo.

— Quem não gosta de pizza?

Claudio sorriu. Serviu-se de mais coca-cola.

— Então Renê está viajando com o pai...

— Tá bom! O que é agora? Fala!

— Calma, ainda estou me acostumando. Por que casou-se tão cedo?

— Me casei com 36 anos, Claudio. O Rodrigo era meu aluno, já nos conhecíamos.

— Ainda dá aulas de inglês?

— Desde que Renê nasceu, só meio período. Mas hoje pedi demissão.

Não precisou dizer nada, a cara de curiosidade dele pedia para que ela continuasse:

— O tempo está mudando, ando vendo sinais.

— Que sinais?

— Bom... pra começar, você assim de volta depois de tantos anos já é um sinal. Me magoou faltando ao meu casamento, sabia?

— Estava na Europa. Você sabe. Aprendendo.

— Tudo que precisava saber tinha aqui.

— Não vem com essa. Você me negou conhecimento.

— Neguei ser sua cúmplice. Você só pensa em vingança, desde... Sabíamos que Luar havia saído de cena. Nem sabemos se, quando ele voltar, ainda estaremos vivos. Ele dormiu. Sabe-se lá quando acordará. Pode ser daqui a cem anos. Ele é eterno.

— Não diga?! — Claudio falou com ironia. — Se ele fosse mesmo demorar pra voltar, você não teria se apressado em ter um filho. Parece que quis aproveitar a ausência dele.

— Aproveitei minha natureza, isso sim. Senão seria tarde. Que chato! Tenho de te lembrar de novo da minha idade. Faça as contas. Estou com 43 agora, moço.

— Às vezes me esqueço.

— Vou tomar como elogio. Dizem que o quarenta é o novo trinta.

Ela sorriu. Claudio correspondeu enquanto recolocava mais vinho na taça da amiga. No entanto, entristeceu assim de repente:

— Luciano podia estar aqui, rindo com a gente.

— Sente a falta dele.

— E você não? Pô! Ele era seu irmão.

— Irmão póstumo. Antes disso, meu amigo. Mas eu já aceitei.... Olha, Claudio, eu entendo você. Afinal, aquele fim de semana quase nos matou.

— Páscoa maldita. 2002 foi o pior ano da minha vida. Aquele monstro nos destruiu. Nossos amigos morreram. Ainda penso no Miguel, na Selma e até na chata da Jéssica. Só restou a gente, Marta. Luar passou como um trator por cima da gente. Nos transformou.

— Não posso dizer que ele me transformou, meu destino era esse. Sou filha da magia. Soube que Patrícia era minha mãe no momento em que a perdi. Meu destino já estava ligado ao dele muito antes de eu nascer. Além da minha mãe, descobri meu pai, e depois a história da minha família.

— Está falando do lobisomem? Outro monstro.

— Fausto salvou sua vida duas vezes.

— Mas deixou Luciano morrer. O próprio filho.

— Filho não, bisneto. Luciano e eu somos meio irmãos.

— Tá vendo só? Seu pai é seu próprio bisavô, Marta. Isso não lhe dá nojo? Pra mim é repugnante. Parece mesmo coisa de cachorro.

— Se você veio aqui para me ofender...

— Desculpe. Vim pedir sua ajuda. De novo. Em 2003 você me escreveu dizendo que recebeu o diário da sua bisavó, Elaine.

— O Diário da Sibila Rubra.

— Isso mesmo. Posso vê-lo?

— De quê adianta? Eu lhe falei que por acordo mágico apenas as sibilas podem lê-lo.

— Mas não foi só isso que herdou, não é mesmo?

— Não, recebi muita coisa além de uma arca e aquela poltrona velha na sala que não combina com nada.

— É seu trono.

— Minha trípode. Mas fala, o que quer de mim?

— Estou esperando você adivinhar.

— Não sou onisciente.

— Quero A Chave Menor de Salomão.

— Claudio, você enlouqueceu. Magia goética é muito perigosa.

— Toda magia é.

— Quer evocar demônios.

— Anjos caídos.

— Dá igual.

— Pensa comigo, Marta. Esse papo de caça vampiros não rola. Essa história de entrar na cripta do vampiro de dia e pregar uma estaca é coisa de cinema. Admito, depois de quase dez anos pensando num jeito de acabar com Luar, só consegui concluir que jamais poderia fazer isso sozinho. Nós, humanos, não podemos com os vampiros, mas podemos chamar quem possa. E os vampiros não podem com os anjos.

— Não subestime o vampiro Luar.

— Como você pode defendê-lo?

— Claudio, você sabe o quanto amo você, mas não posso ajudá-lo. Desculpa. Esqueça Luar, ele se foi.

— Não. Ele vai voltar. Eu sei disso, e tenho certeza de que você também sabe, só não quer admitir. Ninguém escapa daquele que vive para sempre.

Cúmplices no silêncio, Marta e Claudio trocaram um olhar consoante, em segredo e oculto pensamento.



[Continua na próxima terça]

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A busca pelo vampiro Luar


Um romance de KIZZY YSATIS


terça-feira, 5 de outubro de 2010


Aqueles que Habitam o Paralelo Noturno


III - Fernando acorda no castelo do Conde Dracula

Num clic, Fernando expõe a face lívida à luz mortiça, amarelada e quente do abajur doente ao acendê-lo. Salta da cama e, apressado, dirige-se ao espesso cortinado para num ímpeto movê-lo. Na ala oeste da casa grande, vê-se o janelão se abrir para o quarto crescente suspenso na estrutura da noite. Da altura, Fernando contempla a vastidão silenciosa e fasta da antiga propriedade do vampiro Luar. Ele sorri.

Na cozinha tinha pão e um copo de leite azedo sobre a mesa. Na sala, a lareira estava curiosamente acesa embora não fizesse frio. Fausto apreciava o fogo a boa distância, tombado na poltrona. No rosto magnífico do caseiro repousava a incerteza. Fernando não via seu mentor há uma semana e resolveu se manifestar:

— Cara, que bom que voltou. Já estava me sentindo solitário. Este lugar parece o castelo do Drácula. Ah! Sabia que consegui sentir seu cheiro lá de cima? Acho que com a aproximação da Lua cheia, meu olfato aumenta, né?....

Como Fausto permaneceu calado, Fernando tomou coragem para perguntar:

— Aconteceu alguma coisa?

— A cidade está infestada de vampiros.

— Suponho que possa farejá-los.

— Não é tão simples, guri. Cada ser tem seu próprio aroma, como uma digital. Precisaria conhecer o cheiro de cada vampiro para reconhecê-lo. Desde que retornou do além-túmulo, Montserrat não se apresentou para mim. Isso tem anos. E até agora não descobri seu cheiro. Ele é esperto. Está se guardando.

— O que ele espera?

— A hora certa. Mas eles virão em breve. O ataque é iminente.

— Como você sabe que eles estão por aí?

— Pelos sinais, guri; a tempestade, o fogo, o leite e outras coisas. Como em São Paulo chove muito, descartamos a tempestade.

— Mas não chove hoje.

— Não importa. Temporal é sinal de chegada, não de estadia. E só os poderosos chegam com a chuva. Sobra-nos o fogo e o leite.

— O fogo e o leite?

— O fogo fica azul e o leite azeda.

— O leite estava azedo.

— Eu sei, por isso acendi a lareira.

— Mas o fogo está amarelo.

— É o que você pensa, ele se transformou duas vezes desde que anoiteceu. A chama azula e depois de alguns instantes volta ao normal. Mantenho a lareira acesa como forma de detectar vampiros. Um alarme.

— Belo truque. Você sabe das coisas. Deve ter aprendido com seu mestre vampiro.

— Aprendi com uma bruxa.

— Uma bruxa? Conheceu uma bruxa de verdade?

— Minha mãe.

— Sua mãe lhe apresentou uma bruxa?

— Não. Minha mãe era a bruxa.

— Ah.

Fernando admirou-se, mas sabia que ainda tinha muito que ver e ouvir.

— Então os vampiros estão por perto!?

Fausto suspirou antes de responder:

— Sim, meu jovem, estão.

— É isso que lhe preocupa?

— Incomoda bastante, mas é inevitável.

— Então essas janelas não deviam estar abertas. Vou fechá-las.

Quando o aprendiz fechava inadvertidamente a segunda das várias janelas do salão, o senhor dos lobos o interrompeu:

— Fernando. Deixe-as. É preciso dissipar o calor do fogo.

— Não está quente. Fausto. Somos só nós dois, cara. Eles podem nos atacar e seus amigos ainda não chegaram.

— Não seja tolo. Os vampiros não entrarão aqui sem serem convidados. Nunca assistiu a filmes de vampiro?

— Não estou entendendo, você disse que o ataque era iminente.

— Exato. E eles darão um jeito de entrar aqui, valendo-se de sortilégios.

Fernando espantou-se e olhou o silêncio antes de gaguejar:

— N-Na boa, não é melhor fechar as janelas?

— Não, Fernando, sossegue. Tenho plena convicção de que não atacarão esta noite. Como eu disse, atacarão na hora certa.

— Tudo bem. E quando será a hora certa?

— Na Páscoa, tenho certeza.



[Continua na próxima terça]

LEÃO NEGRO

A busca pelo vampiro Luar


Um romance de KIZZY YSATIS