Estou de passagem neste mundo,

Mas deixo aqui o registro de minhas palavras.

Eu sou o peregrino do tempo.


terça-feira, 28 de setembro de 2010


Aqueles que habitam o Paralelo Noturno


II - Hakozen


Às 18h00 começa a escurecer em São Paulo. A hora é crítica. O trânsito engasga com mil engarrafamentos. Ônibus e trens disparam cheios, e centenas de milhares de cidadãos estressadíssimos viajam para casa depois da longa jornada de trabalho. Este inferno ocorre todos os dias. Os vampiros despertam; os lobisomens aguçam seus sentidos; as bruxas, ao meditar, respiram profundamente enquanto os sinos de algumas igrejas badalam o ângelus. É quando as sete portas do mistério se abrem. Os anjos atravessam. E o reino do Paralelo Noturno tem início. Este inferno reabre todos os dias.


Os motoqueiros, assim como os ciclistas, têm a vantagem de poder ultrapassar carros parados no trânsito. Na Avenida Lins de Vasconcelos, um ciclista avançou sobre a calçada, chegando ao endereço pretendido. O homem, beirando os 30, desmontou da bicicleta, removeu o capacete e tocou o interfone do edifício. Arfava de cansaço e suava de ansiedade. Não avisou quem ia visitar, nem sequer sabia se a velha amiga ainda morava no local. Mas soube no seguinte instante, quando o porteiro o atendeu pelo interfone:


Pois não?


— Vou ao apartamento 77. Mas antes eu queria saber se...


Seu nome é Claudio?


— Isso mesmo.


Enquanto o portão da garagem se erguia, Claudio balançava a cabeça sorrindo.


Sétimo andar. O post-it na porta indicava outro rumo: “Querido, estou no telhado. Amasse o papelzinho e suba!”


Claudio nem se atentou ao laranja-fogo no céu. Assim que saiu no terraço, buscou pela amiga e a avistou mais adiante, perto do para-peito, a admirar o pôr-do-sol. Ela estava de costas mas Claudio a reconheceu pelo cabelo. Não pelo corte (antes comprido e agora curto), mas pela cor. Aquele tom inconfundível. Quando ele a viu pela última vez, havia somente uma mecha rubra. Agora, todo cabelo era vermelho e sua postura também era outra. Talvez não fosse mais a mesma mulher. E na verdade não era. Claudio queria ver seu rosto e até concordaria com certo poema de Henriqueta, se o conhecesse. Ao menos um trecho: Quem viu o rosto da Sibila? Quem se arriscou ao fundo do poço à procura de humanos traços? Talvez ela não tenha rosto: é múltipla inumerável.


— Marta, nem preciso mais ligar pra você.


Marta falou com distância, levemente melancólica:


— Não se pode surpreender uma sibila rubra.


— Quanto mais a matriarca, estou certo?


— Sim, e sou a última... mas isso também não importa agora.


Ela se virou para vê-lo. Abriu os braços e um sorriso:


— Olha só você, Claudio. Há quanto tempo!? Vem cá e me dá um abraço.


— Uau! Como você mudou!


Ele caminhou em sua direção mas brecou ao notar o círculo branco no chão em torno dela; em seguida, o pequeno caldeirão de ferro com três pés, liberando uma chama azul e tímida, meio aflita com o vento; e, por fim, um hakozen, que Claudio deduziu ter sido usado como altar improvisado, cujo interior provavelmente escondia objetos mágicos recém utilizados ao invés de comida japonesa.


— Anda praticando, hein?!


— Posso dizer que me formei recentemente, mas nada que o Harry Potter não faria.


Claudio, que até então sorria, logo ficou tenso. Nunca presenciara a amiga manipulando magia. Obedecendo a um gesto gracioso da bruxa, a chama se apagou e um vento rasteiro varreu com força o sal que antes formava o círculo. Então ele se acercou para se abraçarem.


— Hum. Você ficou musculoso, mas ainda fuma.


Ajeitando os óculos, Claudio a encarou com uma careta debochada:


— Adivinhou isso também?


— Não, querido. Isso se descobre com um abraço e um cheiro. Me responda uma coisa: mudei pra melhor ou pior?


— Pra melhor.


— Ainda bem, senão te transformava num sapo!


Marta estava brincando, mas Claudio olhou preocupado para o hakozen. Ela notou e levou a mão no queixo, envergonhada.


— Ah, Claudio, me desculpa, nem te ofereci nada. Você deve estar com fome. Tem dois sanduíches e um suco de caixinha dentro da mesinha japonesa.


Ele a encarou outra vez, agora com espanto:


— O quê? Trouxe sanduíches dentro do hakozen?


— Sei que adora comida japonesa. Eu até que tentei enrolar uns temakis mas ficaram um desastre. Ah, mas o que esperava, um banquete de boas vindas?


Aliviado, Claudio balançou a cabeça:


— Não, esquece. Eu viajei. Vou pedir uma pizza, temos que conversar serio.


— Eu sei.


Ela o abraçou novamente e começou a chorar. Ele não suportou e chorou também. Pela primeira vez, puderam expressar suas tristezas um ao outro. Era uma tristeza que pesava neles desde que eventos ocorridos anos atrás transformaram drasticamente suas vidas e separaram seus caminhos.






[Continua na próxima terça]


LEÃO NEGRO


A busca pelo vampiro Luar




Um romance de KIZZY YSATIS

segunda-feira, 27 de setembro de 2010


Desenho a lápis: Kizzy Ysatis. Arte-final a nanquim: Claudio Mor

O DÉCIMO TERCEIRO COMENTÁRIO

Gui,

Obrigado pela visita. Estava sumido por aqui. Venha sempre.

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Jhaniny,


Recebi seu simpático e-mail. O responderei com calma. E reitero: vocês são sim meu combustível maior.

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Olá, Noite em claro.


Obrigado por ler meus livros. Maravilha que goste. Leia a Tríade sim, sei que gostará como gostou dos outros.


Você perguntou sobre minha intenção ao repetir algumas vezes o nome Fernando, a resposta é simples: sonoridade. Mas isso não explica nada. Como você é meu leitor, merece uma atenção mais cuidadosa.


No senso comum da literatura, a repetição é associada a um erro, uma ranhura na tela do artista, quando não pensada. Não é o caso aqui. O artista é feito de intuição e técnica. A repetição do nome Fernando surgiu à toa, gostei da idéia, limpei o excesso e o usei como recurso. Não repete tanto a ponto de enfadar, está na dose certa. Às vezes se usa quando não se quer usar pronome. É um recurso que possui um sem-número de causas e efeitos, também comum em histórias infantis e poesia.


O bom prosador gosta de poesia e o bom poeta é prosador. Tenho esse pé na poesia. Fora o prólogo, este texto é a abertura oficial do meu novo romance. Releia a primeira frase dos outros, tenho muito cuidado com elas, assim como presto muita atenção na primeira frase dos livros que leio; e sei que vou gostar ou não do livro ao ler a primeira frase.


Eu penso muito no primeiro parágrafo. Precisa haver magia aí para encantar o leitor. Minha intenção é múltipla inumerável, poderia chamar o recurso de fono-estilística, pois cria certa musicalidade. Um teórico poderia nomear de paralelismo, progressão temática etc, mas aí analisaríamos de modo frio como quem faz uma autópsia. Ao dissecar meu texto, eu mesmo, o mataria. Deixo isso aos acadêmicos. Eu faço arte, eles teorizam, criam nomes para dizer que sabem mais e suprir a falta de sensibilidade e talento. A expressão artística produz efeitos na alma do leitor, é por essa rota que eu caminho. Aprende-se com observação e prática, sem análise ou comparação ou medição. A arte não se pode definir. A arte é imponderável. Imensurável. Acaso se é possível medir o tamanho da saudade? Do amor?


Jhaniny me disse que Fernando foi uma boa escolha, mas a escolha veio sozinha. Não fiz uma seleção. Ele saiu como se já existisse, como se não houvesse outro. Quiça uma egrégora me fez gritar Pessoa, e assim Fernando me foi soprado. A personagem é nova. Tive, sim, mil intenções das mais variadas. Dizê-las, só estragaria a história. Em última analise, é evidente que a repetição tem um efeito na memória, para que se lembre daquilo que foi repetido, e se eu repeti o nome dele, e comecei por ele, é porque Fernando terá um papel especial a ser cumprido, por isso, fique de olho no rapaz.


Finalizando, neste caso, foi uma repetição pensada. Mas posso E VOU cometer erros. Estou escrevendo, lendo e postando. É a primeira versão do livro, da qual estou repartindo esse processo de criação com meus leitores que tanto amo. Depois de terminado o primeiro copião, ele passará por um processo de lapidação e por último uma revisão profissional e ainda assim, erros poderão escapar aos nossos olhos e sair na edição impressa. É natural.


Peço aqui que continue lendo e, todos que tiverem dúvidas, perguntem. Se acharem que é erro, apontem. A idéia é essa. Eu quero escrever esse livro com o acompanhamento dos leitores, eles acompanharam o vampiro Luar até aqui, têm direito a esse privilégio. Assim como eu, que ganhei o privilégio de ter quem leia e goste do que escrevo.


As palavras são sementes assim sopradas ao acaso no ouvido do artista. Nascem na alma e morrem na boca; mas, se forem escritas, serão árvores eternas no coração do mundo. São as cores moldadas com o apuro e técnica pelo autor que canta, com as palavras, o fazer do Belo Ofício.


Obrigado e continue por aqui

sexta-feira, 24 de setembro de 2010


LEMBRETE

Caros amigos, tem muita gente me perguntando ainda onde comprar A TRÍADE, então aí vão os links de algumas livrarias onde você poderá encontrar o primeiro romance feito a oito mãos na literatura brasileira.

Compre A Tríade nas livrarias:

CULTURA
SARAIVA
MARTINS FONTES

terça-feira, 21 de setembro de 2010

PRIMEIRO EPISÓDIO

Aqueles que habitam o Paralelo Noturno


"Não me pergunte quem sou e não me diga para permanecer o mesmo"

Michel Foucault


I - Fernando é acolhido pelo corifeu dos lobos

Fernando quer gritar e não pode, isso o mata aos pouquinhos. O que foi que Fernando fez? Fernando acha que está doente, mas não quer contar para a mãe ou para o pai. Tem medo de que descubram o que fez. Se descobrissem, ele ficaria assim envergonhado, de tal insuportável maneira, que provavelmente se mataria. Não sentiu vergonha quando fez e tampouco sente agora por ter feito. Confessar-se arrependido seria uma mentira, eis outra coisa que Fernando não entende. Entretanto, ainda assim, ele se envergonharia se seus pais descobrissem, pois certamente o puniriam. Poderiam dizer a princípio que não, porque são pais do tipo bacana. Mentiriam, mas ele saberia e se sentiria punido assim mesmo. Com o olhar... até com a voz, puniriam. A voz fica diferente e machuca, não importa o que estejam dizendo. Não há como disfarçar uma voz magoada. Agoniado, Fernando não raciocina, não sabe o que fazer. Não sabe a quem ou a o quê recorrer, está sozinho. Não quer cura, quer liberdade. Quer poder gritar, isso o mata aos pouquinhos. Fernando não pode gritar. Então ele uiva.

Fausto ouviu Fernando uivar e foi ao seu encontro:

— Vem comigo.

— Quem é você?

— Sou seu amigo. Vem, guri. Eu cuido de você.

— Pra onde vamos?

— Para O Clube dos Imortais.

— Mas moço, eu não posso ir. Fiz uma coisa muito errada.

— Não importa o que tenha feito, no Clube não existe pecado. Nem perdão.

LEÃO NEGRO

A busca pelo vampiro Luar

Um romance de KIZZY YSATIS

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

KIZZY YSATIS by Neto Lucon, Revista Júnior

Vampiros, Chardonnay e beijo na boca

Sábado dei um passeio no final da tarde com o jornalista Neto Lucon, da revista Júnior, que está fazendo uma matéria sobre vampiros e homossexualidade que deverá sair em outubro. Vagávamos pelo centro velho da paulicéia, enquanto detalhava ao repórter a relação do vampiro Luar com Álvares de Azevedo. Também tracei um panorama sobre a temática na história da literatura, citando de Karl Ulrichs à Anne Rice, entre outras curiosidades relacionadas. Fotografamos ao lado do busto de Álvares de Azevedo (como não podia deixar de ser) em frente às Arcadas. Depois tiramos mais algumas na loja Profecias, da minha amiga Regina, ali na Galeria do Rock. Lanchamos um cheese-salada gostosinho e fomos à Vila Mariana. Com duas ou três taças de Chardonnay, lubrificamos boa conversa. Papeamos sobre tudo e ouvimos piadas na companhia de inúmeros escritores no Espaço Cultural Terracota (Av. Lins de Vasconcelos 1886), lugar bacana, e point de artistas letrados e poetas ousados.

Terminei a noite dançando na Flex e bebendo coqueteis com o escritor Claudio Brites e sua esposa Ester, dois amados amigos.

O texto do post anterior trata-se do prólogo do Leão Negro, cuja estrutura estou pensando em fazer num formato diferente. Claro que não vou explicá-lo aqui; primeiro porque não quero dar a receita do bolo; segundo porque é experimental e não sei nem se dará certo. Veremos, se funcionar eu grito.

Estou escrevendo a primeira cena do primeiro capítulo
(Fernando é acolhido pelo corifeu dos lobos), terça eu posto aqui, OK?

Beijos, eu amo vocês!