Estou de passagem neste mundo,

Mas deixo aqui o registro de minhas palavras.

Eu sou o peregrino do tempo.


sexta-feira, 6 de junho de 2008

DIÁRIO DA SIBILA RUBRA
O retorno das bruxas
esboço da Sibila Elaine por Lese Pierre
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Prólogo em três partes
parte dois
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– Tua viagem deve ter sido longa, porém tu nunca te cansas. Por isso não oferecerei cadeira.
Ela é quase tão alta quanto ele. Magra, mas longe de ser frágil, Alessandra dispensa a benevolência e mostra-se leve. Leve como uma bigorna. Ele aprecia a honestidade dela, mas...
– Pois é. Enganou-se, mulher. Canso-me sim. A propósito, já estou farto!
– O que te trazes a minha casa?
–Você tem uma coisa que eu quero.
– Não sei do que estás falando.
– A senhora sabe, está com ele.
Num ato involuntário, os olhos de Alessandra deslizam na direção do livro sobre a arca. Ela dissimula num átimo, mas não o suficiente para impedir que o vampiro capture o movimento.
– Dê-me o que quero e eu vou embora!
Ela chega mais perto. Sobe um ou dois degraus.
– E o que queres com ele, cadáver continuado? – pergunta ela.
– A senhora não se faça de rogada – ele responde. – A senhora, dona bruxa, sabe das coisas...
– Que bom que sabes que sei. Neste caso foste tolo. Não devias ter te arriscado em vir de lá da terra da garoa, tua terra, até aqui para pedir o que não vais possuir. Não tens receio?
– Receio de quê, de morrer? Já estou morto...
– Não devias ter vindo aqui, não te convidei.
– E daí? Convidaram-me antes.
– Todos que te convidaram já morreram! Por que não vai embora?!
A dama argumenta com sobriedade, mas a visita não se dá ao luxo de contestar. Alessandra está tentando manter a indiferença, a distância; contém também uma certa raiva que tem dele e que cresce aos pouquinhos, mas ela a segura com o punho cerrado. A recupera e espera, sempre. Um momento de fúria pode por tudo a perder.
– É, eu sei mesmo o que queres e o que não queres – ela diz. – Não foi pelo meu sangue que vieste de tão longe.
– De repente... nunca se sabe – ele diz.
Ela sorri.
– Queres o Diário da Sibila Rubra, não é?
Ele não responde. A sala celebra mais uma vez o silêncio. Os olhos dele se cerram nos dela e depois deslizam maliciosos até o livro sobre a arca. O vampiro não se mexe, mas a observa. Impassível. A mente dela investiga, a dele trama. Ele ergue a mão em forma de garra, la mano sinistra, vai rangendo os dentes enquanto fala e se apura um brilho perverso em seus olhos abissais:
– Minha paciência está se esgotando, minha senhora. Já que sabe, dê-me logo.
– Como soubeste do diário?
– Não vou pedir de novo.
Quem mais o estaria ajudando? Ela acabou de chegar da Itália. Como ele soube antecipadamente que ela estaria ali? Como ele a conhece se não lê pensamentos?
– Ora! – ela retruca com ironia. – Para quê a pressa agora, imortal? Deixa-me ver-te. No futuro, voltarei muitas vezes à inércia destes minutos.
Ele não fala e ela supera mais três degraus. Está admirada com ele. Nunca tinha visto um vampiro de verdade. Como é impressionante que seja tão bonito e assustador ao mesmo tempo. É claro que tem medo, mas consegue superar isso com dignidade. Ela é uma feiticeira, foi treinada para tanto. Uma soberana da magia está acostumada com essas coisas. Os estrondos da chuva parecem não mais existir, é outra coisa que acontece ali dentro e que vai além do que insurge lá fora. É mais pessoal... E também é cinza. Como a chuva que emudeceu é cinza. Cinza como também é o silêncio e o tempo que desbota as cores, bem como cinza é o tom da pele branca do vampiro, que é cinza como é a tristeza e como tudo no escuro que esteja empoeirado e cinza.
– Estás mais velho do que consta no diário – ela repara. – Paraste de beber? Morreste com 22, mas aparentas trinta. Sabias que eu li o diário dela? Sei que não costumas beber quando perdes alguém de quem tu gostas. É ruim perder alguém de quem gosta, não é?
Ele cerra os olhos ao ouvir isso, mas segue ouvindo quieto, mesmo que afrontado. Alessandra avança um pouco mais, com insinuante sorriso. E ele lhe afirma, convicto no que diz:
– Pensa que sabe? Você não sabe de nada.
– Ah, sei sim! E como sei – murmura, chegando-se no rosto dele. – Olha: nosso melhor erro é culpar os outros! – ela acusa.
– E nossa pior virtude é sonhar que ela exista – ele rebate.
Estão próximos um do outro. Tão pertinho que parecem namorados.
– Teu coração – ela diz, tocando-o no peito com ternura – não está morto como pensas. Ele é como uma brasa medonha que por um sopro sonha para renascer com ardor, como só quem faz é a fênix. O senhor, que é tão poderoso, tem medo de coisas tão simples... Por que não confessas que fracassaste no amor e não tentas de novo?
Luar engasga, e dá de ombros.
É surpreendente o fato de que a bruxa parece enxergar o seu visitante, tanto e tanto, mesmo por trás da máscara que ele cria. Ele, Luar, o vampiro, reconhece isso e tenta, em vão, não demonstrar o quão constrangido se sente, qual um garoto que é pego se masturbando. No rosto frágil de porcelana, uma expressão rígida mal o disfarça e ele se vê menor na situação embaraçosa.

5 comentários:

Somerset disse...

Com certeza todos estão adorando, está maravilhoso...

Cadê a parte três? *¬* kkk

Começo república dos sonhos hoje, tenho lido muitos comentários sobre Nélida, realmente deve ser muito bom.
Abraços!

Anônimo disse...

Hola, mi amigo, soy Marta Sereia de Galicia. Me siento muy feliz y muy orgullosa de todas las cosas lindas que haces por la belleza y la literatura. Te deseo mucha buena fortuna y éxito en tu carrera como autor. Estoy deseando leer tu livro nuevo. Un beso y un abrazo desde España.

Kizzy Ysatis disse...

Mari

Que bom que está gostando, vou por a parte três hoje.
Ah, depois me diz se gostou de A República dos sonhos, não li, estou atrás de Guia-Mapa Gabriel Arcanjo, porque também tenho um livro sobre o anjo gabriel e quero saber se o livro da Nélida trata dele ou se é só o título. Guia-Mapa é o primeiro romance da nossa Galega imortal..

E por falar em Galega...

MARTA SALÓRIO DIAZ!! QUE BUENA SORPRESA!!!

Hola! Que bueno leer tuas palabras cariñosas en mim blog, pero perdoname pues mi castellano queda mui malo, mientras escrevo yo recuerdo de mis dias en Coruña. No me olvido de nadie, te echo de menos y siempre me lo encontro mirando las fotos que sacamos en la casa de Fran. Sea siempre bien venida a escrever aqui en mi blog, vale? Mira que ahora estoy en las brujas, aunque no tenga me olvidado de los vampiros.

besos byronianos en ti y en mi hermosa España.

Anônimo disse...

"Leve como uma bigorna." haha adorei! Parte 3... Sigam-me os curiosos!!!
Lizy Tequila

Kizzy Ysatis disse...

"Leve como uma bigorna" aqui fiz referência a minha irmã, homenageada com essa personagem, foi assim que o Zed se referiu a ela após quase ter se sentido devorado no telefone, mas ao seu jeito, eles se dão super bem.