Estou de passagem neste mundo,

Mas deixo aqui o registro de minhas palavras.

Eu sou o peregrino do tempo.


segunda-feira, 25 de agosto de 2008


LIRA DOS VINTE ANOS
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Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!
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Álvares de Azevedo

Aos vinte anos, meu colega e vizinho, Felipe Forner, enforcou-se em seu quarto. Quarto geminado ao meu. Na hora eu não dormia, porque é comum eu não dormir na hora morta da noite. Angustiado, fumei um cigarro na sacada. Ele fez tudo em silêncio e cerraram-se em enigma seus motivos. Não deixou carta de despedida. Se não abriu-se vivo, não seria morto que faria. Levou consigo o fardo de seus mistérios no calar de seus olhos belos.

A seguir deixo uma homenagem na carta a um amigo:



A BRANDURA DOS OLHOS DE FORNER

São Paulo, 25 de agosto de 2008
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Meu caro Roberto Forner
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Há muito não nos falamos, mas guardo especial estima por você e nostalgia pelo tempo que dividimos risos e festas. Estas palavras estão lhe encontrando em hora de profunda tristeza e comoção. Quis muito ter ido ao seu encontro a dar um abraço, mas o abraço, ainda que ato belo e necessário remédio, não me seria o suficiente para expressar o pouco mais que queria, e esta carta foi o único modo que enxerguei para prestar meus sentimentos a você e sua família.

O Felipe, a quem eu chamava de Forner, nos deixa mais cedo. Havia doçura e cordialidade nele. Era quem eu encontrava ao sair e me recepcionava ao voltar. Nossos encontros e agradáveis diálogos, apesar de breves, não eram raros. Tinha por ele um inestimável carinho e respeito. Contudo havia nele o mistério. Mistério nos olhos serenos e claros; coisas que guardava para si e que não nos cabe engendrar. Somente o portador tem a medida exata do peso da própria cruz. A brandura dos olhos de Forner, eu supus ser herdada da mãe. Sua mãe é uma das pessoas mais educadas que conheço sem nunca ter tido conversa. No esbarrar cotidiano, sempre nos saudamos; e o sorriso de Clara, tal como o nome, reluz, e é tão sincero que me enterneço. Cuide dela com carinho, seu coração foi mutilado. Mãe é uma palavra tão curta, mas carrega o mundo inteiro.

O menino de olhos tristes nos deixa mais cedo. Parte sem dizer adeus. Uma marca fica: a marca da fatalidade. As lágrimas insistem, mas não amenizam a dor que a perda nos causa. Então vamos nos lembrar dos dias felizes sem remoer os tristes. E sorrir para ele com os corações cheios de amor, certos de que este amor lhe servirá de abundante luz nos caminhos de sua jornada, que embora longa não será infinita e os próprios anjos lhe servirão de guia. Não há mal que o amor não vença, nem erro que o errante não acerte, ainda que o erro seja invenção dos homens. Ele, Aquele Que Tudo Pode, não deixa ninguém para trás. Não permita que alguém diga o contrário. Você o amava, amará sempre e, acima de tudo, sabe que ele lhe amava também. Isso por hora basta. Conheci sua filha adorável. Nos olhos dela, vi todo o bálsamo de que precisa. Mantenha a fé e fique perto da família. É tudo que posso dizer.
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Respire aliviado e diga em seu coração, “Felipe eu te amo” então na alma ouvirá sua resposta:
“Eu sei”.
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Abraços,
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Kizzy

5 comentários:

Anônimo disse...

Lindo post.
chorei, era amiga antiga do Lipe, hoje em dia estavamos muito distantes...mas tô sofrendo demais com a partida dele, espero que ele esteja melhor agora.

Vitor Rebello disse...

Bonito post.
Assim como "milla" acima O Felipe foi um grande amigo meu de infância. E estavamos um pouco distantes.
Me ensinou que no final de tudo o importante mesmo são as pessoas, guardo comigo os bons momentos da candura da infância que entre esconde esconde, futebol, brigas bobas e carrinhos de rolimã..ele sempre estava por perto. E não será diferente daqui pra frente.
Abraços

Kizzy Ysatis disse...

Milla e Vitor

Também gostava muito do Forner. Sempre gentil... Uma pena...

abraços,

Kizzy

Luciana Fátima disse...

Lembrei muito do Ian Curtis. "Love will tear us apart again..."

Apesar de não conhecer seu amigo, fiquei realmente tocada com o gesto dele. Quais mistérios da alma humana devem ainda ser sondados para que descubramos a angústia extrema de alguém capaz de tirar a própria vida?

"Isolation..."

Kizzy Ysatis disse...

Sim, Lu.

Em nossa busca por respostas nos tornamos escravos delas. Às vezes o mistério soa sua voz, assim bem alto, qual nos tempos de outrora.