
Nossas vizinhas beatas, vira e mexe, criticavam minha mãe, que não participava das reuniões religiosas.
Quando ia brincar nas casas dos amigos, suas mães me pressionavam. O que para mim é errado. Envolver criança em conversa de adulto? Que maldade.
Eu estava assistindo desenho, na minha casa, mas perdi o interesse. De repente, achei-me olhado para a janela, com os olhos vidrados no silêncio da samambaia. Minha mãe passou por mim e percebeu essa viagem.
“O que foi, meu anjinho? Que carinha é essa?”
Então o assunto apareceu e eu perguntei por que ela não ia à igreja. A resposta veio com uma pergunta:
"Cris, tua mãe vai fazer o que na igreja?"
"Rezar"
"Rezar, eu rezo aqui"
"Mas a igreja é a casa de Deus"
"Que nada. Deus tá aqui, quer ver?"
Fiquei assustado e não disse nada.
"Vem cá com mãe"
Levou-me no quintal.
"Tá vendo?"
"Só as árvores e as plantas da senhora"
"Fecha os olhos e fica quietinho"
Fechei.
"O que você tá sentindo?"
"O vento"
"Não é o vento. Isso é Deus respirando"
Quando senti a brisa, pensando em Deus, deu vontade de chorar. Porque Deus tinha tocado em mim; no meu braço; no meu rosto. Alisou meu cabelo. Não ventava na Igreja. Lá, Deus não tocava em ninguém daquele jeito.
"Abra os olhos. Olha pra mãe."
"Tô olhando"
"Quando quiser ver Deus, olha pra natureza."
"Mas a mãe do..."
"Acredita mais na tua mãe ou na mãe dos outros?"
"Claro que na minha!" respondi, convicto.
"Ah, bom"
Ela me deu um cheiro e voltou aos afazeres. Era firme e carinhosa ao mesmo tempo. Uma leoa. Perto dela, eu era uma gelatina. Entramos e eu voltei a assistir desenho. Mas algo na janela puxava meu rabo de olho. Olhei. Era a samambaia acenando. Só aí que eu me toquei que antes não estava ventando.