Estou de passagem neste mundo,

Mas deixo aqui o registro de minhas palavras.

Eu sou o peregrino do tempo.


domingo, 15 de junho de 2008

Eu sou o Amor que não ousa dizer seu nome
Por Kizzy Ysatis


Quem gosta de U2 sabe que o famoso cantor, ativista e desbocado Bono nasceu em Dublin, mas antes do astro pop veio outro nascido ali também. Oscar Wilde. Que veio ao mundo na Dublin do ano de 1854 e morreu na Paris de 1900 e lá encontra-se enterrado no Père Lachaise junto de Zola, Balzac, Proust, Victor Hugo e até Jim Morrison, vocalista imortal da banda The Doors. Ouvia muito falar em O Retrato de Dorian Gray, mas eu mesmo nunca havia lido, apesar de tê-lo em minha humilde biblioteca. Foi na faculdade que o livro me chamou uma vez mais (pois os livros nos chamam, jamais duvide) quando a professora comentou minhas vestimentas retrô: sapatinho com fivelas e meias até os joelhos, calça corsário e sobretudo substituindo a antiga sobrecasaca; o colete, no entanto, era dos antigos, comprado em brechó. Alto como sou e dentro de trajes de dândi, disse-me ela que lembrei Oscar Wilde. Estávamos em idos de 1998 e qual não foi sua surpresa quando lhe disse que não o conhecia. Para ela eu havia me inspirado no próprio, mas já que eu não conhecia, sugeriu que conhecesse, tinha certeza de que gostaria muito e talvez estivesse vivendo o momento ideal para adorá-lo com mais fervor (olha aí o chamado de novo, pois dizem que lemos os livros na hora que devem ser lidos) mas se eu fosse daqueles dados ao desconhecimento do prazer da leitura, ainda havia o filme na videoteca da faculdade: Wilde (1997) com Stephen Fry, Jude Law e Vanessa Redgrave, esta última no papel de mãe de Wilde, também brilha no papel de Mrs. Dalloway na adaptação para o cinema do clássico de Virginia Woolf. O filme sumiu, foi o que disse o moço da videoteca, Mas você acha o livro na biblioteca. Não quero, o tenho em casa, muito obrigado. Droga. Queria ver o filme, não que agora não estivesse interessado numa leitura do livro que me chamava, mas havia em questão mil livros a serem lidos naquele semestre para devidos trabalhos universitários. Uma imagem fala mais do que mil palavras, e ainda tem a trilha sonora, algo que me apego em filmes, se a trilha for boa o filme emociona mais. Na verdade a velocidade do filme e o tempo que dispunha eram os fatores relevantes. Os anos foram passando e, entre um livro e outro, lia Oscar Wilde. Desde a primeira leitura me tornei devoto, comecei com Dorian, desfrutei e o homenageei, usando mais tarde como referência para a feitura do Clube dos Imortais, a fisionomia de Luciano, cujo tipo belo, louro e de olhos azuis, não era apenas semelhante ao de Dorian Gray como também ao Luciano de Rupembré de Balzac, desse tipo do chamado imperialismo estético em cujo mocinho é belo e o vilão, feio. Dorian, é vilão, é lindo, mas a feiúra vai toda para o retrato. Sim, vali-me do mocinho belo desses moldes, mas troquei o vilão feio por um mais lindo que a lindeza, como imagino o vampiro Luar nos meus sonhos. Também desse molde, acredito (não tenho confirmação) tenha se valido a Sra. Anne Rice para criar seu Lestat; pois como meu Luciano, ou o Luciano de Balzac ou o Dorian de Wilde, seu mais famoso vampiro, afinal, tinha o mesmo tipo: beleza impar e feminil; olhos azuis; cabelos louros com cachos até os ombros. E nesses personagens havia a passagem do ingênuo ao lascivo, da pureza à maldade ou aos vícios através das paixões da sociedade. Por isso quis eu que meu vampiro Luar não fosse assim louro, quis que fosse moreno, tanto de cabelo quando dos olhos, a contrastar com o alvor da pele de donzela do romantismo. Resgatei nele o tipo do herói byroniano e o próprio Dracula que era igualmente moreno e cabeludo. Também quis que o aspecto de meu vampiro remetesse às perucas negras cacheadas do período da restauração. Aquela juba coroando os leões da aristocracia. Os nobres afetados maquiados como boneca, havia qualquer coisa de assustador naquilo. Li várias obras de Oscar Wilde e ainda há o que se ler, mas nenhuma fascina tanto quanto seu único romance, O Retrato de Dorian Gray. Talvez a única coisa que tenha me fascinado mais, fosse seu autor: Oscar Wilde, desde já comprei (no sebo, pois ainda sou podre e não dá para comprar todos os livros na livraria) assim então desde já comprei a biografia de Wilde escrita pelo próprio filho, Vyvyan. Ali descobri Wilde, o primeiro artista pop do nosso tempo. Wilde, o último dândi, o esteta, o filosofo da arte. O extravagante, belo e afetado Oscar Wilde. Tão querido que fez cair um cais com sua chegada na América tamanha quantidade de fãs a sua espera para a turnê do irlandês pelos Estados Unidos. Wilde, cuja voz só não impressionava mais que suas palavras na dicção única no modo ritmado e irônico com o qual as soprava nos salões causando êxtase aos comensais, apesar da maioria dos jornais ianques estarem dispostos a massacrá-lo, pois era Wilde apóstolo do esteticismo inglês. Esteta; que o Aurélio explica: pessoa que adota uma atitude exclusiva e requintada com relação à arte e à vida, colocando os valores estéticos acima de todos os outros. Por outro lado faz-se interessante transcrever sua descrição publicada pelo New York Tribune:
“O aspecto mais notável da aparência do poeta é sua altura, que ultrapassa de muito 1,80m, e o que depois chama atenção são seus cabelos, castanhos-escuros e compridos, caindo sobre seus ombros... Quando ele ri, os lábios se afastam e deixam ver uma fileira de dentes brilhantes, excepcionalmente brancos. A pele do rosto, em vez do tom róseo tão comum nos ingleses, é tão completamente destituída de cor que, dela, só se pode dizer que a cor lembra massa de vidraceiro. Seus olhos são azuis, ou de um cinza-claro, e em vez de serem ‘sonhadores’, como imaginavam muitos de seus admiradores, são brilhantes e rápidos – nem um pouco parecidos como os olhos de uma pessoa dada a devaneios perpétuos acerca de que é inefavelmente belo e verdadeiro. Em vez de pequenas e delicadas, adequadas para cariciar um lírio, suas mãos têm dedos compridos que, quando dobrados, formariam um punho capaz de desferir golpes duros, caso surgisse uma ocasião para que seu dono descesse a esse tipo de disputa... Uma das peculiaridades de seu modo de falar é que ele acentua suas frases a intervalos quase regulares, sem se preocupar com o sentido, talvez como conseqüência de um esforço para ser rítmico tanto na prosa como nos versos.”
Quando lhe perguntaram, na manhã seguinte, se ele tinha alguma coisa a declarar, respondeu: “Nada além da minha genialidade”.
Os norte-americanos recusaram-se a levar a sério àquele que seria chamado de o primeiro homem moderno.
Finalmente, depois de dez anos, o filme foi encontrado. O filme que não queria ser visto foi achado e meu amigo e prefaciador de Diário da Sibila Rubra, Claudio Brites, me presenteou com ele, surpreendendo-me pela película ter aparecido nas prateleiras. Passados dez anos: acho que fiquei tão íntimo de Wilde que o filme acabou não me mostrando aquele Wilde que gostaria de ver, aquele astro que manteve-se de bom humor sem perder o brio diante da chacota dos norte-americanos tão insípidos em sua época. Não ouso dizer que Wilde fosse à frente de seu tempo, a frase já tornou-se obsoleta, mas é certo dizer que ele seja atemporal, coerente para todas as épocas e em todas as épocas irá marcar presença. O filme de Brian Gilbert não está mal, mas optou por mostrar um Wilde apaixonado, logo, submisso ao cafajeste Bosie, que soube amar o dramaturgo ao seu modo, na interpretação do sempre reluzente Jude Law. O poema de Bosie, ou melhor, Lord Alfred Douglas, teve destaque maior que qualquer outro do próprio Wilde no contexto do filme. O poema intitulado Dois Amores, colocou em discussão a relação amorosa entre dois homens no tempo em que, na Inglaterra do fim do séc. XIX, isso era crime, e fez isso de forma primorosa e inteligente ao se valer da definição de São Paulo sobre a sodomia como “o pecado que não devia ser nomeado”. O poeta triunfa ao retirar a frase da periferia dos atos sexuais para colocá-la na sublimação do âmbito sentimental quando nos diz:

"Eu sou o Amor que não ousa dizer seu nome".

15 comentários:

Somerset disse...

Ótima crônica.
Comecei a lê-lo logo após o Clube, pois queria entender melhor a citação que você havia feito e também adorei Wilde. Não só com romance, mas com todos os trabalhos dele fiquei encantada.
Adorei também a pequena história sobre o livro do post anterior.
Os livros não só nos chamam como também nos influenciam, apesar de Wilde acreditar que qualquer tipo de influencia é negativa por mudar o pensamento de alguém e impedir que sejam eles mesmos, eu acredito que as pessoas muitas vezes precisam de um ponto de vista diferente, influenciado ou não.

Abraços!

Kizzy Ysatis disse...

Mari

As citações (ou epígrafes) são um recurso antigo, não melhora a história, mas ilustra o livro qual fosse uma iluminura falada, um ornamento. Não melhora, nem piora a obra. Há quem diga que polua, mas ponho porque era mania de Ázevedo encher seus poemas de epígrafes e eu queria remeter meu leitor ao estilo romantico também dessa forma, acabou que virou um hábito. As epígrafes nos conecta com o universo da literatura, conecta a nós (autor e leitor), conecta o livro enquanto obra e a própria história. A epígrafe está intimamente ligada ao conteúdo do texto a seguir, isto é, ao contexto. É uma especie de chamado, convida à leitura. Cria um suspense ao que vai acontecer ou adianta como um pequeno teaser-trailer, e afinal é assim uma bela frase, de alguém de quem o autor gosta. Em última análise, coloca o leitor a par da leitura de seu autor, fica sabendo de suas influências e gostos literários, conecta desse modo o autor com seu público. Sugere novas leituras, educa, influencia um avanço intelectual. Vê? Tudo isso é capaz uma pequena citação. Fico orgulhoso de saber que Wilde tem mais uma mais uma leitora e que meu livro contribuiu com isso. É uma forma de honrar Wilde. Não me é difícil escolher as epígrafes certas, pois rabisco, grifo, escrevo comentários em todos os meus livros. Por isso não costumo ler livro de biblioteca porque tenho esse hábito napoliônico de deixar minhas impressões ali. Já aconteceu de querer muito ler determinado livro e não poder comprá-lo nem no sebo, então a biblioteca me salvou, mas devemos ter muito respeito com os livros de biblioteca, sei que sabe disso. Mas hoje gosto de ter os livro que leio para rabiscá-los. Quando quero lembrar de uma passagem ou quando acho que o capítulo que escrevi tem a cara de um trecho que li em tal livro, abro o tal livro e não preciso gastar horas buscando a frase, está lá grifadinha seja com lápis, caneta ou marcatexto fosforescente.

Legal você ter tocado nesse assunto que é tão relevante para mim e que sempre fez parte do meu estilo.

obrigado
Bejos

ebbios disse...

Coincidentemente, estou lendo o Dorian Gray (beirando as últimas páginas).
Quanto ao que se diz sobre o que polui os textos ou não: acredito ser importante preocupar-se com a estética duma página. Confesso que logo ao abrir um livro, me desanimo se a fonte foi mal escolhida, ou se as palavras parecem pessoas apertadas num vagão de trem, até desisto da leitura, se houverem outras opções no momento, e minha ansiedade pelo texto não for um monstro. Contudo, as epígrafes me parecem longe de ser uma poluição. É mais um artificio de estilo do autor. Quem pode realmente poluir um texto é o próprio autor, esse sim é capaz de encher os ares da leitura de fumaça,e, convenhamos, dar uma edição luxuosa à um texto ruim é como vestir uma dama feia e de companhia desagradável em belos trajes, como disse o próprio Wilde em seu romance (não exatamente com essas palavras). Li certa vez Machado em uma edição de pouco requinte, e o que me recordo é que os tipos feios e o papel sujo se tornaram agradáveis paisagens psicológicas. Eis tudo.

Kizzy Ysatis disse...

Oi Ebbios querido

Também concordo que não tem nada de errado com epígrafes se soubermos escolhe-las e se estiverem bem diagramadas, quem falou sobre a poluição foi um grande escritor nacional, creio que foi o imortal João Ubaldo Ribeiro. Mas explicou que no caso do livro dele estava poluindo. Cada caso é um caso.

Lembro-me de como nos preocupamos com a escolha da epígrafe do seu conto no Livro Negro dos Vampiros. Aquela preocupação em gerar uma união entre a epígrafe e a obra, para que funcione, isso é uma arte a parte.

Espero que esteja gostando de Dorian.

Abs

ebbios disse...

Também me recordo Kizzy e lhe fico muito grato por sua ajuda. A vi depois no texto da tríade que me enviou para que eu pudesse fazer a ilustração. É interessante como algo que ontem nos passou invísivel, hoje não nos escape no menor detalhe.

O Wilde está agradando bastante. Gosto do seu estilo de alfinetar sua sociedade. Percebo que os escritores que possuem aquela sutil agulha nas palavras me atraem muito.


Abraços, Pássaro Negro.

Anônimo disse...

Kizzy!!!
Não só os livros nos chamam...! Veja só: o Arlindo teve de ler um livro e fazer uma apresentação para a aula de inglês. Adivinha qual? Dorian Gray, óbvio!!! Como tudo nos atrai para aquilo em que estamos interessados no momento, começamos a achar uma porção de coisas sobre o Oscar Wilde e, do nada, nos pula no colo o filme! Assistimos no fim de semana passado... Legal. Principalmente para notarmos como o amor pode destruir uma pessoa se não for bem medido, bem dosado!

Que coincidência você falar tudo isso aqui, hein?! E outra coisa: a professora não era a Josefa, era?!!! Para finalizar, uma das tantas frases brilhantes do mestre: "Sim, sou um sonhador. Sonhador é quem consegue
encontrar o próprio caminho ao luar e, como punição, vê
o alvorecer antes do resto do mundo."


DarKisses,
Lu

Kizzy Ysatis disse...

"Como tudo nos atrai para aquilo em que estamos interessados no momento"

Sim, sim, Lu, essa é uma verdade imortal.

Coinscidências, já deixei de crer nelas ha muito tempo. Destino, tá escrito, tem de ser.

A professora, não, não é Josefa, era outra cujo nome me escapa, tinha cabelos chanel vermelho acaju, fumava, tinha voz firme, e vestia saias com bota de cano alto.

Queria ser coloquial ao extremo, dizia: "a gente isso, a gente aquilo, quando falam com a gente, a gente ouve".

Linda frase essa do sonhador, mexeu com o meu brio.

beijos.

PS. coloquei mais imagens ao texto, é incrível a semelhaça do Jude Law com o Bosie, não?

Anônimo disse...

Hi!
Genteee... esse Bosie devia ser demais, hein?! Adorei a edição que você fez no texto!!!


Darkisses,
Lu

claudiomor disse...

Excelente crônica, meu amigo. Como sempre compartilhando conosco suas mais calorosas paixões, com tanto afinco, que consegueria até derreter o mais gelido dos corações.

Unknown disse...

Nê... tu passando por aqui... demais!!! Kizzy tu ainda estás atarefado?! Prepare-se, estarei em breve para destruturar as paginas das estórias a contar...
Abraços e beijos
Leo

Anônimo disse...

Recomendo o site oficial adicado ao autor (está en inglês):
THE OFFICIAL EB SITE OF OSCAR WILDE http://www.cmgww.com/historic/wilde/index.php
Beijos, MARTA SEREIA

ebbios disse...

Essa primeira pintura lembra muito vc!

Kizzy Ysatis disse...

Nê,

obrigado pela mensagem. Apareça sempre. Você sabe que eu adoro mesmo dividir minhas paixões literárias e artísticas.

abração.
....

Don Blake

Você estava sumido, heim?!. Viu só, o Nê também passa por aqui às vezes, você vai gostar muito do blog dele, dê uma olhada.

Leo, como já entreguei o livro, não estou atarefadíssimo, estou me desapegando, desligando, das Sibilas para voltar aos outros livros que estou escrevendo sem muito parentesco de idéias. Sabe que não consigo ser aquele tipo de escritor que caga um livro atrás do outro como fábrica, num molde só, por ego ou por estar desesperado por dinheiro. Dinheiro nós precisamos, não serei hipócrita, mas jamais vou corromper minha arte, meu nome, minha literatura para ter uma coleção de livros ruins na prateleira. Acho que exemplo de Wilde fala tudo (um único romance). Lygia, uma média de vinte livro ao longo de quase setenta anos de carreira. Por isso tenho de dar um tempo, outro dia vi uma entrevista com a escritora Nélida Piñon, e descobri que, afinal, "dar um tempo entre um livro e outro" é uma prática certa, ela também faz isso, é importante para não levar para o próximo livro as impressões do anterior. Por isso só volto a escrever em julho, e com mais calma.

Você vem para São Paulo? Escreva-me um e-mail.

Beijos
.....

Marta

Muchas gracias por el site. Seguro que luego me voy a meter por el.

besos
....

Ebbios

Não chego aos pés de Oscar Wilde, nem de talento tampouco de aparência. Mas mesmo assim obrigado, foi um elogio e tanto.

abraços

Kizzy Ysatis disse...

Ah, Leo, ia me esquecendo. Essa Luciana Fátima que posta aí acima, é a nossa antiga amiga, a Lu gótica, de quando estudavamos na Universidade Anhembi Morumbi no final da década de 1990.

beijos

Jack disse...

Foi demasiadamente interessante ler o que vc escreveu sobre Wilde.Li O retrato de Dorian Gray há 7 anos e conheci Wilde através dele. Confesso que li tudo o que vc escreveu em meio a lágrimas devido ao meu grande respeito e admiração ao grande artista que Oscar foi e sempre será...através da arte dele, se tornou imortal. Sempre fico feliz quando encontro alguém que leu e gostou de O retrato de Dorian Gray.Realmente os livros aparecem em nossas vidas quando temos que aprender algo com eles, ou descobrir algo que nos mude a vida...com O retrato de Dorian Gray conheci Oscar Wilde, seu senso estético, sua sensibilidade, sua arte, enfim, sua genialidade...bjs!!!