
A importância das palavras
“Kizzy, sua matéria contém palavras muito difíceis para o leitor do nosso jornal”
Foi o que me disse a colega da classe do 3º ano de jornalismo. Ela disse que eu tinha de escrever de um jeito mais simples (em outras palavras: de um jeito mais pobre) para o povão entender.
Na terceira série do primário usávamos muito a palavra aloprado. “Professora, fulano está me aloprando” (ao digitar agora, nem meu processador de texto conhecia esta palavra). Palavra que caiu em desuso, no esquecimento. Mais uma que se perdeu. Muitos devem conhecê-la só do filme O professor aloprado. Aloprar é amalucar. E estou amalucado com a falta de cérebro no meio de formação acadêmica. Desgostoso com os colegas e com o sistema. E eu escolhi me formar jornalista pelo amor às palavras e pelo uso delas na profissão do jornalista.
Se queremos educar alguém para que avance e se supere, há de se impor certos desafios, pequenos, e elevá-los gradualmente. Por exemplo, se um objeto está um pouco alto, ou distante, em relação aquele que o deseja, este, por força da vontade, irá se deslocar para alcançá-lo. De modo que aprenderá onde e como consegui-lo. Se cada vez eu colocar o objeto mais próximo do requerente, este jamais o alcançará com as próprias pernas e estará condicionado a ser cada vez mais burro, fraco e incapaz.
O escritor-autor, aquele que é artesão e trabalha com a ferramenta da palavra, coleta cuidadosamente do cabedal do cérebro, a palavra mais adequada para engendrar sua criação, despreocupado com quem vai entendê-la. Aquele que não entendeu que se desloque atrás de seu significado. Desse modo o escritor-autor, mestre do Belo Ofício, ajuda mais a sociedade do que o escritor-operário, pois este empobrece a língua e fragiliza a nação. O povo, o rebanho, já é por demais estúpido, e o jornalista, cheio da ética, cheio de arrogância (porque arrogância é se gabar pelo que não é capaz) cheio da verdade, cheio de demagogia e hipocrisia, este jornalista é o grande responsável pela ignorância do povo.
O estudante de jornalismo é outro burro, porque é acadêmico e acadêmico tem a natureza do papagaio, de repetir o que outro disse. Não tem voz própria. Mesmo assim os jornalistas se exibem por mais que são capazes. Me tolhem a todo tempo, “Kizzy, você se acha”. Para mim essa é a visão do invejoso. Desculpe, eu me orgulho, é diferente. Notem como o tratamento era um quando não me apresentei como escritor e como se tornou outro, quando descobriram. Eu abro a boca e me tolhem num misto de complexo de inferioridade com outra coisa mais baixa: “Nós não temos o Rachel de Queiroz, mas estamos dois anos na sua frente”. Será? Eu entrei direto no 3º ano porque já tinha feito os dois anos em outra Universidade (uma grande e internacional Universidade, diga-se de passagem), eu não pulei dois anos. Não tem ninguém na frente de ninguém nesse sentido. Isso pode ser chamado de argumento racional?
Os acadêmicos são incapazes de criar e invejam a mente criadora. Eles só repetem o que outros falam lá atrás, são fantoches, são títeres. A colega de classe diz que o povo é burro, mas é ela que é. Tem um repertório paupérrimo, e por preguiça e inanição de intelecto, alega que ajuda o leigo usando aquele micro repertório de palavras. Sempre as mesmas palavras, numa repetição infeliz e de pouco significado e profundidade. A fealdade se sobrepõe a todas essas cosias e a massa, que já é disforme e feia, segue ainda mais feia e disforme. Como disse, os acadêmicos só sabem seguir as regras de outro burro de lá longe. “Tem de escrever de um jeito mais simples, pois quem escreve ‘difícil’ é o pseudo-intelectual que quer posar de inteligente”, essa é a nova regra. Regra? Isso sim é senso comum. Nova? Essa é a regra nos últimos vinte anos ou mais. Quem criou isso foi o burro que não entendeu o que estava sendo dito. Complexo de inferioridade. Essa regra do coloquial. Aff!... Afferson! A contradição se desenha no pensamento de que temos de ter um diferencial, mas querem que eu escreva igual a todo mundo?
“Kizzy, você escreve como um romântico”, disse meu mestre.
“Mas escrevo igualzinho a um romântico?”
“Não igualzinho porque você é desta época e tem outra visão”
“Então escrevo de um jeito novo, uma reinvenção do romantismo, é isso, um renascimento, um segundo renascimento”
“Não é pra tanto... mas, Kizzy, ninguém mais escreve assim”
“Mas você acha bom que eu escreva como todo mundo?”
“Hummm, tem razão. Escreva como você escreve, Kizzy Ysatis. Você é o único que escreve desse jeito. Só você escreve como você escreve, tem estilo próprio. Isso está em falta hoje em dia”
Já disse e não me canso de dizer, não é a língua que deve se curvar à nação ignorante, mas essa é quem deve fazer por merecê-la. Puxa vida, de quê adianta termos como língua a última flor do Lácio, a mais bela e rica língua, se somos falantes retardados, não usamos nem um décimo de tamanha riqueza? Se essa é nossa força, porque a substituímos pela de outrem, pouco a pouco.
Os romanos, povo inteligente e conquistador, obrigavam a ferro e fogo que se falasse o latim, que esquecessem a língua nativa, a língua-pátria. Hoje a coerção do novo império não é menos sutil, porque o meio de tortura atual é o bolso, por isso você é obrigado a falar o idioma inglês, mesmo achando o francês mais bonito e o português mais rico e o italiano mais amoroso e espanhol mais cálido. O inglês é uma língua sonora e bela também, mas não gosto que me obriguem a nada.
O acadêmico escreve como escrevesse uma bula de remédio, e receia escrever com paixão, aquele abismo que teme e rejeita com frieza para se saber mais inteligente. Balela! Poor papa, poor papa.
Quando estive num seminário internacional de literatura, Marina Colasanti, escritora premiada e jornalista italo-brasileira, que era uma das conferencistas na ocasião, nos disse que em seus livros infantis lança aqui e ali palavras mais ricas porque não subestima as crianças.