Estou de passagem neste mundo,

Mas deixo aqui o registro de minhas palavras.

Eu sou o peregrino do tempo.


quarta-feira, 31 de março de 2010

LEIA UM TRECHO INÉDITO DE A TRÍADE

Romance de fantasia medieval escrito pelo quarteto formado por Carlos Andrade, Claudio Brites, Octavio Cariello e este autor que vos fala. Enquanto ainda não anunciamos a data de lançamento (o que deverá ser em breve), publico aqui mais um trecho inédito para você tentar solucionar qual é o mistério que une o Anjo, o Templário e o Vampiro.


Capítulo XIV · Um prato frio

– Se fosse tudo assim tão simples. Não vejo com bons olhos a disseminação dessas crendices.
– Crendices? As lendas e os mitos espalharam-se com a desculpa de serem histórias morais importantes no processo educativo, porém não podemos deixar de perceber que há algo incongruente nesta afirmação.
O pintor olhou-me com a curiosidade renovada.
– Não é difícil relacionar as histórias de Azael e Prometeu; é sabido que os gregos usaram de muitos empréstimos dos egípcios e dos semitas para criar seu panteão. Há relatos de um dilúvio anteriores aos registros bíblicos, portanto os judeus também fizeram seus próprios empréstimos.

Caminhei até a porta que dava para o jardim central e olhei o céu sem nuvens, tão diferente do dia anterior.
– Porém não há como deixar escapar o fato de que culturas completamente díspares tenham contado as mesmas histórias, relatado a existência das mesmas criaturas ditas míticas. Há anjos e demônios em todas as culturas conhecidas. Assim como dragões.
Poussin fez um esforço para lembrar de alguma informação que o ajudasse a tentar derrubar meu argumento, mas manteve-se calado.
– Como explicar a semelhança dos rituais sacrificiais astecas em favor de Tezcatlipoca, o deus sol, da guerra e do fogo, e as comemorações pascais resultantes do sacrifício de Cristo?
Poussin marcou a testa com fundas rugas e me olhou de viés.
– Onde o senhor quer chegar?
Sorri.
– Não seria interessante imaginar que os emissários de Azael tenham se espalhado pelo globo, apresentando-se como deuses e exigindo sacrifícios de sangue aos povos que encontraram?
Diverti-me com a gargalhada sincera do pintor.
– E seriam todos lâmias amnésicos como o desgraçado do Montoya!
– Não! A falta de memória de Montoya durou pouco. Ele saiu das catacumbas e foi bater à porta da abadia...

Apesar das admoestações de Antônio, seu companheiro de cela, o jovem Giovanni não conseguia pregar o olho; estava excitado demais. Pela manhã, prestaria votos como sacerdote. Finalmente, se tornaria um padre.
– Não vai querer bocejar na frente do bispo amanhã, não é?
Balançou a cabeça negativamente.
– Então, durma, criatura de Deus!
– Estou tentando, acredite-me.
Antônio apurou o ouvido.
– Espere. Bateram à porta?
– Não ouvi nada! Quem bateria a essa...
– Escute!
Giovanni inclinou a cabeça, olhando para o teto, como se uma sombra mais estranha pudesse atrapalhar a acuidade de sua audição. Arregalou os olhos e sussurrou.
– Sim, agora ouvi.
Antônio puxou as cobertas e já se preparava apara levantar quando Giovanni pulou da cama, animado.
– Vou ver quem é.
– Não, Tonio, deixe que eu vá. Tenho toda a vida para recuperar o sono de uma noite perdida.
O noviço acendeu sua lamparina no archote do pavilhão e se dirigiu ao portão principal da capela. O vento que atravessava as frestas era frio e cortante como uma navalha. O jovem Giovanni abriu o grande portão. A chama de sua lamparina extinguiu-se com a lufada do vento inclemente e o noviço foi incapaz de vislumbrar as feições do padre á sua frente. Foi capaz apenas de perceber, através da silhueta recortada pela luz da lua, que se tratava de um padre alto e esguio.
– Procura abrigo, meu bom padre?
A voz profunda, de quem não a usava há três longos anos, provocou um arrepio no noviço sem sono.
– Convide-me a entrar.
Giovanni reconheceu, instintivamente, algo mais primitivo do que sua fé. Para ele, não aconteceriam mais manhãs e os votos que pretendia dedicar à Igreja seriam guardados para uma outra existência.

Antonio acordou sobressaltado e com frio. A porta de sua cela estava escancarada. A abadia estava às escuras. Nenhum archote mantinha-se aceso. Tonio fez uma oração silenciosa enquanto os pelos de sua nuca mantinham-se arrepiados sem trégua.
Montoya saboreou o medo do frade como um verdadeiro gourmand.
Com um salto o vampiro atacou e, num aperto de força incomum, quebrou alguns dos ossos de sua vítima. Enquanto bebia a vida de Antônio, Montoya deixou-se embarcar nas memórias que se esvaíam. Tentou lembrar de quem era, o que tinha sido e não encontrou qualquer resquício de memória útil. Não lembrava do próprio nome. O banquete deveria ser prazeroso, porém a amnésia o irritava.
Largou o corpo moribundo e olhou à sua volta. A abadia em Perugia lhe era familiar. Pouco a pouco, as imagens se sucederam em retrocesso. Lembrou de sua morte e dos cadáveres de Jean-Michel e do papa Bento XI. De Goth. Sua busca. Os documentos. Elleonora. Montserrat. Seus pupilos. A infância nas terras de Ibéria.
Montoya deu-se conta do sacrilégio que acabara de cometer. Ficou angustiado ao olhar para o corpo retorcido de Antônio. Voltou a olhar para o templo e para os corpos dos noviços que lhe serviram de alimento; dois inocentes cujas vidas tinham sido ceifadas na flor da mocidade.
E Montoya chorou, copiosamente.
Abraçou-se ao corpo ainda quente de Tonio e o viu dar o último suspiro. Tocou o rosto suave do jovem em seu colo e sussurrou, amargurado.

– O que fizeram comigo?
A voz às suas costas não o assustou.
– Ninguém mais é responsável além de você mesmo.
Sem largar o cadáver do noviço, Montoya carregou a voz de rancor.
– Quem é você?
O pátio da abadia perugina inundou-se de uma luz avermelhada. O vento frio deu espaço ao calor reconfortante. Montoya viu o ser alado aproximar-se, empunhando uma espada flamejante. Seus olhos estavam vendados e ele arrastava correntes pesadas.
– Seu criador. Sou Azael.

A lâmina de fogo atravessou o peito do mortovivo. Montoya gritou sem saber se pela dor que o tomava por inteiro ou pela vergonha intensa e vã causada pela lembrança do pacto que fizera com o anjo da vingança. Todas as sombras do esquecimento tinham sido afastadas.
O anjo satisfeito deixou-se desvanecer em meia à escuridão da noite.
O vento frio voltou a incomodar e a ferida causada pela espada do anjo cicatrizou com rapidez, deixando apenas a dor como lembrança de sua existência. Montoya abandonou suas vítimas e revoou sôfrego sobre os montes, procurando um alívio que sabia não ser possível. Sem esforço, conseguiu saber onde estava cada ser vivo em cada canto mais remoto das paragens por onde passava, célere, mais rápido do que qualquer pássaro rapinante conhecido.
Voou até sentir as forças se esvaírem.

Um grupo de atores ambulantes serviu-lhe de antepasto sem provocar grandes dramas. Depois de saciar-se com a Columbina rechonchuda, jogou-se sobre a relva gelada e planejou recuperar os documentos que amealhara em sua busca com Jean-Michel e tornar a ver Elleonora, a poderosa sibila da Aquitânia, a quem daria péssimas notícias e com quem ainda tinha uma dívida a pagar.

***

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A TRÍADE estreará sábado, 28 de agosto, às 18h no Fantasticon.

Biblioteca Viriato Corrêa, Vila Mariana - SP

Na história, batalhas épicas estão para acontecer. Antes, porém, os envolvidos nos serão apresentados por um homem misterioso que visita em 1630 o famoso pintor, mestre Nicolas Poussin, para lhe narrar fatos fantásticos. Só assim saberemos qual o mistério une o anjo, o templário e o vampiro, em uma trama que varre o Paraíso passando pela Idade Média no princípio do século XIV, até culminar nos dias atuais.

“Não tema nada, a morte é destino do homem”.

7 comentários:

Claudio Brites disse...

Nem acredito!!!

Kizzy Ysatis disse...

acredite e não tenha medo;
faça o seu que a magia acontece;
enxergue primeiro que depois aparece.

Luciana Fátima disse...

Minha fênix!!! Que bom que estás de volta!!!

Saudades...



Darkisses.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anônimo disse...

Me encontro numa miscelânea de ansiedade e excitação!!!

Que venha o tão esperado lançamento...

Beijo grande!

Anônimo disse...

Seu pudece desenhar o quanto espero esse livro! vcs num tem noção. essa capa é demais! venha logo! nossa, peloamordedeus!

Luciana Fátima disse...
Este comentário foi removido pelo autor.