Estou de passagem neste mundo,

Mas deixo aqui o registro de minhas palavras.

Eu sou o peregrino do tempo.


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Aqueles que Habitam o Paralelo Noturno


IV - A chave menor de Salomão


Na cozinha do apartamento de Marta, a atmosfera é densa, o tom é de velas mas não se trata de um jantar de amantes.

Claudio agradeceu enquanto acendia um cigarro:

— O jantar estava ótimo.

— Quem não gosta de pizza?

Claudio sorriu. Serviu-se de mais coca-cola.

— Então Renê está viajando com o pai...

— Tá bom! O que é agora? Fala!

— Calma, ainda estou me acostumando. Por que casou-se tão cedo?

— Me casei com 36 anos, Claudio. O Rodrigo era meu aluno, já nos conhecíamos.

— Ainda dá aulas de inglês?

— Desde que Renê nasceu, só meio período. Mas hoje pedi demissão.

Não precisou dizer nada, a cara de curiosidade dele pedia para que ela continuasse:

— O tempo está mudando, ando vendo sinais.

— Que sinais?

— Bom... pra começar, você assim de volta depois de tantos anos já é um sinal. Me magoou faltando ao meu casamento, sabia?

— Estava na Europa. Você sabe. Aprendendo.

— Tudo que precisava saber tinha aqui.

— Não vem com essa. Você me negou conhecimento.

— Neguei ser sua cúmplice. Você só pensa em vingança, desde... Sabíamos que Luar havia saído de cena. Nem sabemos se, quando ele voltar, ainda estaremos vivos. Ele dormiu. Sabe-se lá quando acordará. Pode ser daqui a cem anos. Ele é eterno.

— Não diga?! — Claudio falou com ironia. — Se ele fosse mesmo demorar pra voltar, você não teria se apressado em ter um filho. Parece que quis aproveitar a ausência dele.

— Aproveitei minha natureza, isso sim. Senão seria tarde. Que chato! Tenho de te lembrar de novo da minha idade. Faça as contas. Estou com 43 agora, moço.

— Às vezes me esqueço.

— Vou tomar como elogio. Dizem que o quarenta é o novo trinta.

Ela sorriu. Claudio correspondeu enquanto recolocava mais vinho na taça da amiga. No entanto, entristeceu assim de repente:

— Luciano podia estar aqui, rindo com a gente.

— Sente a falta dele.

— E você não? Pô! Ele era seu irmão.

— Irmão póstumo. Antes disso, meu amigo. Mas eu já aceitei.... Olha, Claudio, eu entendo você. Afinal, aquele fim de semana quase nos matou.

— Páscoa maldita. 2002 foi o pior ano da minha vida. Aquele monstro nos destruiu. Nossos amigos morreram. Ainda penso no Miguel, na Selma e até na chata da Jéssica. Só restou a gente, Marta. Luar passou como um trator por cima da gente. Nos transformou.

— Não posso dizer que ele me transformou, meu destino era esse. Sou filha da magia. Soube que Patrícia era minha mãe no momento em que a perdi. Meu destino já estava ligado ao dele muito antes de eu nascer. Além da minha mãe, descobri meu pai, e depois a história da minha família.

— Está falando do lobisomem? Outro monstro.

— Fausto salvou sua vida duas vezes.

— Mas deixou Luciano morrer. O próprio filho.

— Filho não, bisneto. Luciano e eu somos meio irmãos.

— Tá vendo só? Seu pai é seu próprio bisavô, Marta. Isso não lhe dá nojo? Pra mim é repugnante. Parece mesmo coisa de cachorro.

— Se você veio aqui para me ofender...

— Desculpe. Vim pedir sua ajuda. De novo. Em 2003 você me escreveu dizendo que recebeu o diário da sua bisavó, Elaine.

— O Diário da Sibila Rubra.

— Isso mesmo. Posso vê-lo?

— De quê adianta? Eu lhe falei que por acordo mágico apenas as sibilas podem lê-lo.

— Mas não foi só isso que herdou, não é mesmo?

— Não, recebi muita coisa além de uma arca e aquela poltrona velha na sala que não combina com nada.

— É seu trono.

— Minha trípode. Mas fala, o que quer de mim?

— Estou esperando você adivinhar.

— Não sou onisciente.

— Quero A Chave Menor de Salomão.

— Claudio, você enlouqueceu. Magia goética é muito perigosa.

— Toda magia é.

— Quer evocar demônios.

— Anjos caídos.

— Dá igual.

— Pensa comigo, Marta. Esse papo de caça vampiros não rola. Essa história de entrar na cripta do vampiro de dia e pregar uma estaca é coisa de cinema. Admito, depois de quase dez anos pensando num jeito de acabar com Luar, só consegui concluir que jamais poderia fazer isso sozinho. Nós, humanos, não podemos com os vampiros, mas podemos chamar quem possa. E os vampiros não podem com os anjos.

— Não subestime o vampiro Luar.

— Como você pode defendê-lo?

— Claudio, você sabe o quanto amo você, mas não posso ajudá-lo. Desculpa. Esqueça Luar, ele se foi.

— Não. Ele vai voltar. Eu sei disso, e tenho certeza de que você também sabe, só não quer admitir. Ninguém escapa daquele que vive para sempre.

Cúmplices no silêncio, Marta e Claudio trocaram um olhar consoante, em segredo e oculto pensamento.



[Continua na próxima terça]

LEÃO NEGRO

A busca pelo vampiro Luar


Um romance de KIZZY YSATIS


11 comentários:

iarashi disse...

Marta querida!!! Já tá com todo o ar de sibila! Amei!
Quero mais!Quero mai!


bjs

Thiago Félix disse...

Então Martha tem um filho. Será ele importante para o desenrolar da trama? É provavel, afinal uma das maiores caracteristicas de Kizzy Ysatis é jogar pequenos detalhes que nos passam despercebidos para nos surpreender depois com a importancia deles na trama.
Quanto ao meu amado Claudio, ele mudou ao longo do tempo, agora engrandeceu e tem um objetivo importante e provavelmente irá se meter em uma roubada grande. Pq invocar anjos caidos é um lance perigoso.

Porém, contudo, entretanto, todavia. Nem tudo são flores em projetos experimentais. Algo no Claudio ainda não me convenceu, ao contrario do que diria shakespeare eu entendo as palavras dele, mas não a furia de suas palavras ainda falta algo para que eu me apaixone por esse novo modo de ser dele.

Martha, por outro lado, melhorou bastante desde O Clube, a maturidade lhe trouxe um mistério mais empolgante. Ela foi a que mais cresceu nesses tempos. E está escondendo ainda muitas coisas, tenho certeza.

Vale ressaltar que tenho notado que O Leão Negro está sendo até então o titulo mais sombrio da serie. O que é bastante interessante.

Abraços, louco para ver os proximos episodios.
Thiago F. Rovere¥

Kizzy Ysatis disse...

Iarashi

As sibilas são muito importantes, fundamentais para a história. Como ela mesmo disse, sua trajetória está cimentada com a de Luar. Foi assim no começo e será no fim.
Por uma questão de continuidade, esta história está se passando em 2012. Por isso demorei tanto para começar a desenvolvê-la, embora já estivesse pensada e anotada. È um desafio escrever num tempo futuro ainda mais que minha experiência está pautada no passado.

Por que 2012? Bom, tudo tem a ver com o final 2 nas datas por conta da Páscoa de 1852. Álvares morreu em 1852. Em 1902 acontece a história de Elaine lá em Florianópolis. Em 1952 Elaine reescreve seu diário, já idosa, e Patrícia é uma criança. Em 1982 Luciano nasceu. Em 2002 ele conhece Luar e ocorre os eventos que descrevi no Clube dos Imortais. Luar adormeceu em 2003, logo após ouvir a leitura do diário e descobrir que Álvares sempre esteve por perto, disfarçado em você sabe quem. =^.^= rs. Agora resta saber o que este final reserva para a última das sibilas rubras.

beijos.

......................

Thiago

Bem colocado, nada é por acaso. Sobre o experimental, sossegue, ele foi pensado antes de ser jogado no papel. Claro que nem tudo são flores. Por isso reescreverei o livro antes de publicá-lo e refletirei sobre suas palavras.

No Clube dos Imortais, o Claudio era escada do Luciano, uma liga aqui e ali. Agora aqui, no Leão Negro, ele terá sua própria história. No momento certo, entrarei nos pensamentos dele e revelarei mais sobre o que ele se tornou, mas é tudo muito simples, embora ele tenha mudado. É um personagem novo.

Ainda estamos no 1º episódio: Aqueles que Habitam o Paralelo Noturno. Estou escrevendo com um pé na estrutura dos seriados. Imagine este livro como o "3º ano da série" ou “terceira temporada” (e provavelmente a última). Então o que você vê como pequenos capítulos, na verdade são cenas de um único episódio. Pensei assim justamente para publicar aqui no blog, pois acho muito cansativo ler grandes textos pelo monitor. Sobre esses micro capítulos, não são novidade, Machado de Assis fez assim com Dom Casmurro; embora a junção de tudo e o modo como apliquei mesclado a ideia de seriado seja diferente.
Vamos ver no que vai dar.
Aguarde os próximos (micro) capítulos.

Beijos

Unknown disse...

Convocar anjos caídos?
O Cláudio está MESMO com sangue nos olhos para fazer uma coisa dessas, ele ficou doido! 0_0

Quanto à Marta, é muito bom saber o que ela fez depois da fatidica Pascoa de 2002, ver que ela seguiu com a vida e tem até filho!

E quanto à causos bizarros envolvendo personagens: teve uma vez que aconteceu um lance bem estranho comigo, quando eu e uma amiga criamos um personagem chamado Steve, um sacerdote dos ventos, baseado na aparência e em algumas musicas do ex-Journey Steve Perry; Eu comecei a fazer uma ilustração dele e etc, que é essa aqui: http://fav.me/d2gskjn .

Levei um mês para acabar, e quando estava quase no fim, me deparei com algumas imagens do verdadeiro Steve, que eu nunca tinha visto antes, dele parecendo no minimo... sacerdotal: http://bit.ly/ar7THb .

Mas não satisfeito, aquilo que pra mim é tudo menos coincidência, resolveu me chocar de vez com isso aqui: http://bit.ly/9zd0st .

E mais estranho que isso, foi o fato de eu ter tido outras experiências de ""premonições"" que nem essa - altamente sinistro, no minimo XD Por isso, devo dizer que acredito nos seus causos com o Luar e que também tenho essa sensação que os personagens te usam como instrumento...


Bem, um abraço e espero mais na proxima terça!


Bárbara / CelticBotan

Anônimo disse...

Kizzy...
A cada capitulo que leio me sinto mais próximo dessa nova aventura que se desenrola, Claudio buscando a ajuda dos anjos caídos, estará nosso amado pronto para arcar com o preço de tamanha obsessão; Marta me surpreendeu, sua vida tomou um rumo diferente das demais Sibilas, mas mesmo sendo seus caminhos diferentes o destino sempre nos reserva algo que teremos de enfrentar.
Que inspirações não lhe faltem e que possamos em breve nos deleitar com sua obra completa.

Rose... disse...

Bem querido escritor, não considero nossos heróis diferentes, estão amadurecidos...risos.
E como dizem: "Os sonhos e ilusões da juventude são as decepções da maturidade". Talvez Cláudio seja o exemplo mais certo deste ditado, ele vai brincar com fogo e talvez acabe queimado. Quanto a Marta, ela teve uma menina, não é? Segue a linhagem das Sibilas Rubras. Muito interessante, está ficando cada vez melhor..

Um Beijo Soprado No Sereno...

Kizzy Ysatis disse...

Bárbara

Sim, Claudio ficou revoltadíssimo com o trágico desfecho dos fatos ocorridos em O Clube dos Imortais. Ele disse que se vingaria; e a sibila rubra Patrícia disse: “Eu sei”. Mas por enquanto sua meta é conseguir o Grimório de evocações entre os livros de Marta.

Sim, Marta tocou sua vida, afinal passaram-se muitos anos.
Sua história só não é mais incrível que o seu desenho; já estou sonhando com um vampiro Luar desenhado por você, já que a Patrícia que você fez ficou belíssima.

Um abraço
.................................
Evan

O rumo que Marta tomou nãos se difere tanto assim das demais sibilas, afinal, elas também tiveram filhos. Estou vendo que Claudio está dando o que falar, não posso adiantar nada para não estragar surpresas. Acompanhe.
..................
Rose

Concordo com você, a palavra do dia é amadurecimento e algumas frustrações. Ele está brincando com fogo sim, mas se vai ou não acabar queimado, só o futuro nos dirá. Não perca os próximos capítulos neste mesmo bat canal.

O sereno um beijo devolve.

Kizzy disse...

PS.

Rose, a criança de Marta não é uma menina. Renê é um menino. Marta é a última sibila rubra, mesmo.

Rose... disse...

Não perder os próximos capítulos...risos...esta espera de uma semana quase devora minhas entranhas de tamanha curiosa ansiedade. Entro no seu blog várias vezes ao dia para ler os outros comentários dos demais fãs acíduos. Não perco eles por nada deste mundo...

Um Beijo Soprado no Sereno...

Renato Brandão disse...

É interessante notar o contraste, que à primeira vista me pareceu proposital, entre os dois personagens mostrados neste (micro) capítulo; ambos estavam ligados entre si por um denominador comum que deixou de existir; e este "deixar de existir", esta morte, essa inexistência trágica, os afetou de maneiras diferentes, totalmente díspares.

Existe aqui uma clara intenção de se mostrar dois lados de uma mesma moeda - dois caminhos possíveis ante a perda de alguém querido, duas 'maneiras' de se lidar com a dor??

Ambos me lembram Yin e Yang, não sei exatamente porque...

Mas Marta aceitou (o que não significa esquecer); Cláudio jurou vingança. Mas não é essa sede por vingança, esse viver remoendo o passado, uma maneira de permanecer conectado a ele?!

Quantos de nós não somos assim?! Não lidamos com um trauma de maneiras completamente diferentes?!

Por fim (chega! já to parecendo crítico bitolado hehehe) não posso concordar com o que falaram de Cláudio; por causa da personalidade que você deu a ele, suas ações me parecem, até agora, perfeitamente compatíveis com os fatos. Ele ainda me lembra aquela figura que comentava com Luciano sobre Vampiros de John Carpenter, na casa às escuras (uma das cenas, para mim, mais marcantes da identidade deste personagem).

Espero que perdoe essa minha insistência em teorizar o que leio; devem ser ossos do ofício...

E obrigado pelos posts dedicados ao que eu comentei, pois me senti lisonjeado ao vê-los.

Penso muito quando te escrevo; sua experiência me ajuda a compreender COMO se escreve um bom livro, e espero que eu, modéstia à parte, possa contribuir com suas idéias.

Boa sorte com tudo.
Renato

Thiago Félix disse...
Este comentário foi removido pelo autor.